segunda-feira, 28 de setembro de 2009

MUDAR O GOVERNO


O mestre Zen diria: se desejarem mudar o governo, não se foquem em mudar o governo, não chegarão a lado nenhum. Têm de mudar as corporações, porque o governo é apenas um fantoche das corporações.

Bem, se desejarem mudar as corporações terão de mudar os consumidores. É aí que tudo vai dar, a nós.

Nós somos os consumidores. Deixámos de ser cidadãos para passarmos a ser consumidores.

Somos nós que alimentamos as corporações que, por sua vez, alimentam os governos.
Portanto, somos nós que temos de mudar.

Então, uma vez que tenhamos descoberto que, em última análise, somos nós, que somos parte do problema, então poderemos, finalmente, ser parte da solução.


Yvon Chouinard, citação retirada do livro "A Arte do Poder" de Thich Nhat Hanh

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Alentejo espera por mim


O Alentejo espera por mim.


O Alentejo espera, para sempre irá esperar, até ser totalmente despido de árvores, animais, pessoas, vida.



Haverá um tempo que nem o Sr. engenheiro irá levar a amante desta estação ao seu monte alentejano, nem um campo de golfe será regado. Só então poderemos voltar.


Depois de chuparem tudo teremos um lindo deserto onde construir uma casa.



Nossos filhos crescerão como cactos, lacraus bem instruídos, que só farão anos em ano bissexto, quando chover em lua cheia de Agosto.


Durarão séculos, enquanto desaparecem as babilónias que se encostam aos mares.



Um dia, depois de todas as civilizações, abandonarão seus buracos no deserto, para ocupar a desumanizada costa, e aí se alimentarem de peixe e algas.


Só então começará a Música.



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É assim, meu amor, que na paisagem do teu corpo projecto futuros inauditos.


Profecias se deram por menos, tal como nunca faltou papel para novas bíblias.


Bíblias e bíblias de pára-quedas caindo sobre Africa. Antes fosse água, ou Internet, conforme a classe social.


segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Évora é perfeita para discretos eremitas


Vivo os dias na ponta de um charuto. Tornei-me discreto eremita em Évora. O que é óptimo.

Évora é perfeita para discretos eremitas. O que é óptimo, por várias razões.

Temos uma toca, um buraco só nosso, para nos refugiar-mos como quem se escapa para a privacidade da sua própria mente.

E depois, quando precisamos, podemos passear sozinhos por aí. O que é óptimo. Sem dúvida alguma.

A cidade tem das melhores cores, faseadas pelas diferentes partes do dia, para caminhar sozinho.

Gosto particularmente daquela parte, fim de tardinha, quando o sol se despede, em que o céu se torna viva aguarela, recheado de cores quentes como o laranja ou o rosa, suavemente, sensualmente envolvidos em azuis e violetas, ora melancólicos, ora sonhadores.

E a luz entre as casas torna-se, ora ténue, suave, ora densa, brilhante, diria mesmo, quase palpável, ao alcance da nossa mão.

A cidade é tão boa para eremitas como eu que, em horas como estas, onde os graus centígrados pesam menos, encontram-se as ruas, dentro das muralhas, repletas de eremitas embriagados com sua íntima solidão e onírica contemplação de um céu de aguarela em constante processo criativo, tal fértil cópula de belos e saturninos azuis com laranjas e rosas de tão evidente paixão.

E tantos são, que quase sempre encontro algum que amo, entre sombras e passeios de granito, acabando-se tão frágil solidão para ambos, banhada como foi, por tão inesperado tsunami de emoções partilhadas, daquelas bem coloridas, que adoramos encontrar em nós e nos outros.

Aqui reside o belo paradoxo de tudo.

Embriagados pela nossa própria solidão, acabamos por descobrir que, por qualquer bem ou mal, nunca estamos verdadeiramente sós, havendo um abraço algures á nossa espera, cheio de cores e novidades.

Só temos de estar atentos, e, quiçá, fluir com a aguarela de cores que o céu nos oferece.

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Passei brilhantes horas sob o colchão cru, corpo contorcendo-se na ausência da metade de sua carne, caído na embriaguez do meu próprio suor.

Ao som de hallelujah ou aleluia, de Leonard Cohen, interpretado por Jeff Buckley, caiu finalmente uma faca sobre o meu coração, revelando no seu interior duas metades de uma lasciva laranja.

Ao rolarem para o chão, não pude deixar de reparar na bela exuberância de seus gomos expostos em tão clinica incisão.

Desconhecia possuir tal riqueza.

Aleluia

Desconhecia tal ouro, guardado nas memórias de nossos dois corpos em semblante sintonia com a pulsação do cosmos.