segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Évora é perfeita para discretos eremitas


Vivo os dias na ponta de um charuto. Tornei-me discreto eremita em Évora. O que é óptimo.

Évora é perfeita para discretos eremitas. O que é óptimo, por várias razões.

Temos uma toca, um buraco só nosso, para nos refugiar-mos como quem se escapa para a privacidade da sua própria mente.

E depois, quando precisamos, podemos passear sozinhos por aí. O que é óptimo. Sem dúvida alguma.

A cidade tem das melhores cores, faseadas pelas diferentes partes do dia, para caminhar sozinho.

Gosto particularmente daquela parte, fim de tardinha, quando o sol se despede, em que o céu se torna viva aguarela, recheado de cores quentes como o laranja ou o rosa, suavemente, sensualmente envolvidos em azuis e violetas, ora melancólicos, ora sonhadores.

E a luz entre as casas torna-se, ora ténue, suave, ora densa, brilhante, diria mesmo, quase palpável, ao alcance da nossa mão.

A cidade é tão boa para eremitas como eu que, em horas como estas, onde os graus centígrados pesam menos, encontram-se as ruas, dentro das muralhas, repletas de eremitas embriagados com sua íntima solidão e onírica contemplação de um céu de aguarela em constante processo criativo, tal fértil cópula de belos e saturninos azuis com laranjas e rosas de tão evidente paixão.

E tantos são, que quase sempre encontro algum que amo, entre sombras e passeios de granito, acabando-se tão frágil solidão para ambos, banhada como foi, por tão inesperado tsunami de emoções partilhadas, daquelas bem coloridas, que adoramos encontrar em nós e nos outros.

Aqui reside o belo paradoxo de tudo.

Embriagados pela nossa própria solidão, acabamos por descobrir que, por qualquer bem ou mal, nunca estamos verdadeiramente sós, havendo um abraço algures á nossa espera, cheio de cores e novidades.

Só temos de estar atentos, e, quiçá, fluir com a aguarela de cores que o céu nos oferece.

----------------------------------------------------------------------------------------------------------

Passei brilhantes horas sob o colchão cru, corpo contorcendo-se na ausência da metade de sua carne, caído na embriaguez do meu próprio suor.

Ao som de hallelujah ou aleluia, de Leonard Cohen, interpretado por Jeff Buckley, caiu finalmente uma faca sobre o meu coração, revelando no seu interior duas metades de uma lasciva laranja.

Ao rolarem para o chão, não pude deixar de reparar na bela exuberância de seus gomos expostos em tão clinica incisão.

Desconhecia possuir tal riqueza.

Aleluia

Desconhecia tal ouro, guardado nas memórias de nossos dois corpos em semblante sintonia com a pulsação do cosmos.