No passado dia 15 de Março, foram assinalados os dez anos da assinatura da Declaração de Bolonha. O acordo, celebrado entre cerca de 47 países, previa a formação de um espaço transnacional de ensino superior que possibilitasse um maior intercâmbio entre instituições e uma maior mobilidade dos seus estudantes. Desde o início, os objectivos de Bolonha eram facilmente evidenciáveis, sendo possível identificar no seu texto os habituais chavões neoliberais, como a «promoção da competitividade entre instituições» ou o fomento dos níveis de «empregabilidade» dos seus formados. Se a retórica pouco enganava, a sua aplicação prática não deixaria margens para dúvidas.
Em Portugal, a assinatura da declaração irá gerar, directa ou indirectamente, profundas mudanças no sistema de ensino superior. O valor de propinas, até então fortemente contestado, sofre um aumento brutal (superior aos 100%), tornando cada vez mais difícil a condição dos estudantes com menores rendimentos. Perante uma acção social escolar incapaz de responder a estas situações, a banca consegue uma maior penetração no ensino superior, aproveitando o vazio criado pelo estado. Através do seu sistema de empréstimos a estudantes, iniciam os jovens numa prática adulta: o endividamento.
Ao aumento de custos, contrapõe-se a diminuição da qualidade de ensino. A necessidade de se fabricar trabalhadores qualificados, prontos a alimentar qualquer call-centre ou centro comercial, conduziu à diminuição do número de anos de licenciatura (de 4 para 3) e ao aumento dos cursos de mestrado, não sujeitos a financiamento público. Bolonha, deste ponto de vista, parece procurar impor nas universidades um quase apartheid de classe: os mais pobres ficam cada vez mais afastados do ensino superior; os que têm alguns recursos têm uma licenciatura com menos anos, mas a um maior preço; os mais privilegiados têm a possibilidade de vir a complementar a licenciatura com a frequência de mestrado.
A redução do orçamento para o superior, verificada ao longo da última década, traduziu-se igualmente na precarização dos docentes – assinalada pela introdução de um novo jargão economicista: o conferencista, professor universitário a recibo-verde – e na subcontratação de algumas das suas esferas, nomeadamente dos serviços de cantina.
Porque enquanto houver infâmia, haverá resistência, vários grupos de estudantes organizaram uma cimeira alternativa, paralela à conferência europeia, com o objectivo de contestar a transformação do direito à educação em mercadoria, e de construir alternativas e estratégias comuns.
Para a próxima 4ª feira, 24 de Março, dia do estudante, algumas associações de estudantes (ESAD das Caldas da Rainha e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) estão a mobilizar para uma manifestação em Lisboa pelo ensino superior público, enquanto que em Coimbra decorrerá uma acção simbólica.
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