segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Anarquismo Budista, por Gary Snider I




O budismo baseia-se na ideia de que o universo e todas as suas criaturas estão intrinsecamente num estado de completa sabedoria, amor e compaixão, agindo com espontaneidade e interdependência mútua. A realização pessoal deste estado inicial não será alcançada através do "eu", porque a sua total realização apenas é possível quando este desistir do ego.

Na perspectiva Budista, o que impede a manifestação do "verdadeiro eu" é ignorância, projectada em medos e ansiedades desnecessária. Historicamente, os filósofos budistas não souberam analisar até que ponto a ignorância e  sofrimento são causados ou favorecidos por factores sociais, considerando o medo e o desejo como elementos intrínsecos à condição humana. Assim, a filosofia budista interessou-se principalmente pela teoria do conhecimento e pela psicologia, em detrimento da análise de problemas históricos ou sociológicos.

Embora o Budismo Mahayana possua uma ampla visão de salvação universal, a sua efectiva realização foi o desenvolvimento de sistemas práticos de meditação, para libertar uma minoria de indivíduos de perturbações psicológicas e condicionamentos culturais. O Budismo tradicional esteve claramente disposto a aceitar ou a ignorar as desigualdades e as tiranias debaixo de qualquer sistema político em que se encontrou. Isto pode significar a morte do Budismo porque é a morte de qualquer forma de compaixão. A sabedoria sem compaixão não sente dor.

Hoje em dia ninguém se pode considerar inocente ou permanecer ignorante sobre a natureza dos governos, a política e as ordens sociais contemporâneas. As políticas do mundo moderno mantêm a sua existência através da promoção deliberada da ansiedade e do medo. 

O “mundo livre” tornou-se economicamente dependente dum fantástico sistema de estímulo da ganância que não pode ser contida, da sexualidade que não pode ser satisfeita, do ódio que não se expressa a não ser contra nós mesmos, das pessoas que é suposto amarmos, ou das aspirações revolucionárias de lamentáveis sociedades marginais flageladas pela pobreza, como Cuba ou o Vietname. 

As condições da Guerra Fria transformaram todas as sociedades modernas – incluindo as comunistas – em corrompidos deturpadores do verdadeiro potencial humano. Criam legiões de "preta" – fantasmas famintos com um apetite de gigante e uma garganta não mais ampla do que uma agulha. A terra, os bosques e toda a vida animal estão a ser consumidos por essas colectividades cancerosas que contaminam o ar e a água do planeta.

Não há nada na natureza humana ou nas condições necessárias para a organização social humana que exija intrinsecamente que uma cultura seja contraditória, repressiva e produtora de uma humanidade violenta e frustrada. Recentes descobertas antropológicas e psicológicas demonstram-no de forma cada vez mais evidente. 

Cada um pode ver isso por si mesmo, mediante a observação da sua própria natureza, através da meditação. Uma vez que a pessoa tenha desenvolvido tal confiança e intuição, isto deve ser traduzido num compromisso real com a necessidade de uma mudança social radical, através de uma ampla variedade de meios, preferencialmente não-violentos.