quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Chegam os vampiros


A toda a parte Chegam os vampiros
Poisam nos prédios Poisam nas calçadas
Trazem no ventre Despojos antigos
Mas nada os prende Às vidas acabadas

São os mordomos Do universo todo
Senhores à força Mandadores sem lei
Enchem as tulhas Bebem vinho novo
Dançam a ronda No pinhal do rei

Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

                                                                                                       Zeca Afonso 

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Pra bater no povinho, há sempre dinheirinho!

 Cimeira da NATO - Estado gasta cinco milhões sem concurso para a PSP
O Ministério da Administração Interna (MAI) autorizou um reforço extraordinário do orçamento da PSP, no valor de cerca de cinco milhões de euros, para a aquisição de vário equipamento e material de ordem pública que vai ser usado na segurança da Cimeira da NATO, a 19 e 20 de Novembro.

A PSP será a entidade que se responsabilizará pela segurança do local do encontro, o Parque das Nações, onde vão estar presentes os principais líderes mundiais, incluindo o presidente norte-americano Barak Obama.

A Direcção Nacional da PSP tinha elaborado uma lista do equipamento que entendia ser necessário para assegurar a operação, mas só na semana passada foi dada luz verde pelo MAI. Ao que o DN apurou a verba foi "sacada" ao Governo Civil de Lisboa e as compras vão ser feitas por ajuste directo. Segundo explicou uma fonte da PSP, nestes casos o código da contratação pública permite esta fórmula, pois trata-se de "material crítico, de segurança, isento de concurso público". Neste caso, outra fundamentação possível para o ajuste directo, a urgência, não seria aceite pelo Tribunal de Contas, uma vez que a data da realização da Cimeira é conhecida há mais de um ano. De qualquer forma, as contratações ainda carecem de ser verificadas pelo TC.

Os cinco milhões vão servir para comprar vário material de ordem pública, incluindo seis veículos anti-motim, blindados, norte-americanos. Estas viaturas servem para transportar e distribuir as equipas de intervenção para as chamadas "zonas quentes" de alteração de ordem pública. Têm capacidade para seis pessoas totalmente equipadas. São anti-bomba, antifogo, anti-minas e são as utilizadas pelos militares norte-americanos e ingleses no Iraque. "A PSP deve ser a única polícia urbana da Europa que não tem estes veículos, essenciais para proteger as equipas policiais que se querem colocar num qualquer incidente de ordem pública, como um motim, ou uma manifestação violenta", explicou ao DN um oficial da PSP que está envolvido neste processo.

Além destes blindados, está também a ser comprado material de segurança mais sensível (de informação e contra-informação, bloqueio de telemóveis, etc.) e de protecção policial, como escudos, viseiras, capacetes, gás-pimenta, gás lacrimogéneo (antes proibidos em Portugal), barreiras de protecção para vedar toda a zona do Parque das Nações, estruturas móveis para montar check points de controlo de acessos. 


DN

Boletim Anarco-Sindicalista nº 36 (Julho-Setembro 2010)

Da Rede Libertária







Download em PDF:
http://www.freewebs.com/aitbas/bas/BAS_36.pdf




http://ait-sp.blogspot.com/

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Só queremos ver o Parlamento a arder




Estas bem poderão ser as novas palavras de ordem nas ruas, as novas canções de luta das imensas classes exploradas.
Muitas explicações poderiam ser dadas como justificação, darei apenas a minha. 
Após anos de luta, os trabalhadores precários de Portugal (na sua maioria jovens que não usufruíram da oportunidades pós-abril dos anos oitenta, em que se poderia ultrapassar a possibilidades da sua classe social) reuniram 12 mil assinaturas, para levar o tema dos falsos recibos verdes ao parlamento. Como o conseguiram, num universo de 900 000 trabalhadores a recibos verdes, é um mistério.
Chegados ao parlamento foram, obviamente, apoiados com propostas do Bloco e do PCP. Mas a proposta do PS, que vingou com os votos do CDS, foi um gigantesco passo atrás, uma forte lição nuns meninos rebeldes com a mania de quererem participar numa democracia representativa que não é a deles.
Assim, a partir de agora, um trabalhador que tenha uma queixa contra o seu patrão, deverá pô-lo em tribunal sozinho, isto é, individualmente, às suas próprias custas. E se tiver uma dívida na segurança social, os tais 30% que o patrão não se quer responsabilizar, só poderá queixar-se em tribunal se tiver no banco soma igual ou maior àquela que deve.
Quem representa esta democracia?
A mim não. Aos precários não. Aos desempregados não. Aos trabalhadores não. Aos idosos não. Aos jovens não.
Para que defendê-la então?

Convido assim a todos os que se dizem esquerdistas e se sentam neste parlamento, para o abandonarem, e se juntarem a nós na Rua, novo parlamento do povo português. 
E assim cantaremos  juntos “só queremos ver o Parlamento a arder”

sábado, 18 de setembro de 2010

O Cachimbo Sagrado da Paz


Há uma história de como o cachimbo primeiro veio a nós. Faz muito tempo atrás, dizem, dois caçadores estavam fora procurando por bisontes; e quando chegaram ao topo de uma alta colina e olharam para o norte, viram algo surgindo a uma grande distância e quando chegou mais perto gritaram, "É uma mulher!", e era.

Então um dos caçadores, sendo estúpido, teve maus pensamentos e os falou; mas o outro disse: "Esta é uma mulher sagrada; jogue fora todos os maus pensamentos". Quando chegou ainda mais perto, eles viram que ela usava um fino vestido de pele de gamo, que seu cabelo era muito longo e que ela era jovem e muito bela. E ela sabia seus pensamentos e disse em uma voz que era como um canto: "Vós não me conheceis, mas se quereis fazer como pensais, podeis vir". E o estúpido foi; mas assim que parou diante dela, fez-se uma nuvem branca que veio e os cobriu. E a bela e jovem mulher saiu da nuvem, que quando se dissipou o homem estúpido era um esqueleto coberto de vermes.

Então a mulher falou ao que não era estúpido: "Tu deves ir para casa e dizer a teu povo que eu estou chegando e que uma grande tenda deve ser construída para mim no centro da nação". E o homem, que estava bastante amedrontado, foi rápido e disse ao povo, que fez logo o que foi mandado; e lá ao redor da grande tenda esperaram pela mulher sagrada. E depois de um tempo ela veio, muito bela e cantando, e enquanto entrava na tenda eis o que cantava:

"Com respiração visível estou andando.
Uma voz estou mandando enquanto ando.
De maneira sagrada estou andando.
Com pegadas visíveis estou andando.
De maneira sagrada eu ando."

E conforme cantava, vinha de sua boca uma nuvem branca que era boa de cheirar. Então deu algo ao chefe, e era um cachimbo com um vitelo de bisão entalhado de um lado para significar a terra que nos sustenta e alimenta, e com doze penas de águia pendurados na haste para representar o céu e as doze luas, e estavam amarrados com uma erva que nunca rompe.

"Olhai!" ela disse. "Com isto vós podeis multiplicar-vos e serdes uma boa nação. Nada além do bem poderá vir dele. Apenas as mãos dos bons devem cuidar dele e os maus não devem sequer vê-lo". Então ela cantou novamente e saiu da tenda; e enquanto o povo assistia a sua partida repentinamente era um bisonte branco galopando e bufando, e breve partiu.

Isto eles dizem, e se aconteceu assim ou não eu não sei; mas se pensares sobre isto, poderás ver que é verdade.

Agora eu acendo o cachimbo, e depois que eu o ofereça aos poderes que são Um Poder, e mande minha voz para eles, poderemos fumar juntos. Oferecendo a pitada antes de tudo para o Um sobre nós -- então -- mando minha voz:

He he! He he! He he! He he!
Avô, Grande Espírito, vós exististe sempre, e antes de vós ninguém existiu. Não há nenhum outro para louvar que vós. Vós próprio, tudo o que vedes, tudo o que foi feito por vós. As nações das estrelas por todo o universo vós as terminastes.Os quatro quadrantes da terra vós terminastes. O dia, e nesse dia, tudo o que há, vós terminastes. Avô, Grande Espírito, inclinai-vos perto da terra para ouvir a voz que mando. Vós para onde o sol se põe, olhai-me; Seres do Trovão, olhai-me! Vós onde o Gigante Branco vive em poder, olhai-me! Vós onde o sol brilha continuamente, de onde vêm a estrela da alvorada e o dia, olhai-me! Vós nas profundezas dos céus, uma águia de poder, olhai! E vós, Mãe Terra, a única Mãe, vós que mostrastes mercê por vossas crianças!
Ouvi-me, quatro quadrantes do mundo -- um parente sou! Dai-me a força para caminhar sobre a terra macia, um parente de tudo o que existe! Dai-me os olhos para ver e a força para entender, que eu possa ser como vós. Unicamente com vosso poder posso encarar os ventos.

Grande Espírito, Grande Espírito, meu Avô, por sobre toda a terra as faces dos seres viventes são todas semelhantes. Com carinho surgiram do solo. Olhai sobre estas faces de crianças sem número e com crianças em seus braços, e que possam encarar os ventos e trilhar o bom caminho e o dia da tranquilidade.

Esta é a minha reza; ouvi-me! A voz que mandei é fraca, mas com seriedade mandei. Ouvi-me!
E é assim. Hetchetu yelo!
- - -
Agora, meu amigo. Fumemos juntos o cachimbo para que haja somente o bem entre nós.
Xamã Hehaka Sapa - Oglala Sioux

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

VAMOS!

Manifesto

Não nos calaremos!
Não fomos nós quem fez esta crise.
Há outras soluções.


Vamos quebrar o silêncio sobre as injustiças e as mentiras da crise.

Desemprego acima de 10%, precarização generalizada, cortes em todos os apoios sociais e nos serviços públicos, ataque ao subsídio de desemprego, aumento da pobreza...Pode-se viver assim? Como aceitar sempre mais sacrifícios para vivermos sempre pior? Como chegámos aqui?


Os banqueiros e os especuladores jogaram com o nosso dinheiro: crédito fácil, especulação imobiliária, fraudes de gestão. Quando ficaram a descoberto, em 2008, não gastaram nada de seu. Chamaram os Estados e, dos nossos impostos, receberam tudo quanto exigiram. Então deram o golpe: com o dinheiro recebido a juros baixos, compraram títulos da dívida pública, a dívida do mesmo Estado que os salvou. Agora, o Estado, para pagar os altíssimos juros dos títulos da sua dívida, vai buscar dinheiro aos bolsos de quem trabalha: mais impostos, menos salário, cortes de todo o tipo, privatizações...


Estamos perante uma gigantesca transferência de riqueza dos mais pobres para os mais ricos. Dentro de cada país. E dos países mais pobres da Europa para os países mais ricos - numa Europa submissa e agachada defronte dos mercados especuladores. Duas palavras enchem os nossos dias: "dificuldades" e "sacrifícios". São palavras para nos silenciar. Pois não nos calaremos. Não fomos nós, trabalhadores de toda a Europa, quem fez esta crise. Quem a fez foi quem nunca passa por "dificuldades" e recusa sempre quaisquer "sacrifícios". Foram os especuladores que nada produzem, os bancos que não pagam os impostos que devem, as fortunas imensas que não contribuem. Para eles, a crise é um novo e imenso negócio.
Agora que a desesperança se espalha, que a pobreza alastra e que o futuro se fecha, trazemos à rua o combate de uma solidariedade comprometida com os desfavorecidos. Há alternativas ao empobrecimento brutal da maioria da população. O projecto de um Portugal e de uma Europa num mundo que cresça com justiça social e prioridade aos mais pobres. Que defendam o emprego digno, os serviços públicos e os apoios essenciais para garantir o respeito por cada pessoa. Essa é a verdadeira dívida que está por pagar.


Vindos de muitas ideias e de muitas experiências, juntamo-nos pela igualdade e contra as injustiças da crise. Conhecemos as dificuldades verdadeiras de quem está a pagar a factura de uma economia desgovernada.


Não aceitamos a cumplicidade financeira da Comissão Europeia e do BCE no sofrimento e na miséria de milhões, não nos conformamos com um país que se abandona à pobreza, com uma sociedade que aceita deixar os mais fracos para trás.




Uma sociedade civilizada não protege a ganância acima do cuidado humano, o cuidado de um por todos e de todos por um.


Vamos quebrar o silêncio sobre as injustiças e as mentiras da crise.
Vamos à luta.
Vamos!

sábado, 11 de setembro de 2010

Movimento Continuo psicólogo

RTP1

Risoterapia massiva para esquecer o síndroma pós-férias





Está prevista para o próximo dia 18 de Setembro na cidade de Barcelona a realização de uma massiva sessão de risoterapia com o objectivo de promover o riso e a boa disposição para o reinicio do trabalho diário após o período de férias que coincide normalmente com o mês de Agosto.
A sessão convocada é aberta a todos, totalmente gratuita, e tem sido difundida sob o lema «quantos mais formos, mais nos riremos».

A risoterapia é uma técnica que visa gerar benefícios emocionais por meio do riso. Realiza-se por regra no âmbito de grupos reduzidos a fim de aproveitar o contágio entre as pessoas próximas, mas desta vez o convite é dirigido à população em geral da cidade de Barcelona e a justificação para o convite é feita pela necessidade de combater o conhecido (e, por demais, reconhecido) síndroma do fim da férias.

Recorde-se que os especialistas aconselham que cada pessoa deve rir-se, pelo menos, 3 vezes em cada dia.

Rir aproxima-nos, torna-nos mais humanos. É uma linguagem universal e contagiante
 

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Anarquismo Budista, por Gary Snider II



A pobreza feliz e voluntária do Budismo torna-se uma força positiva. A sua tradicional não-violência e a recusa da eliminação de qualquer forma de vida, tem implicações espantosas para as nações. 

A prática da meditação, para a qual só é necessário a “terra debaixo dos pés”, limpa as montanhas da imundice que os meios de comunicação e as universidades supermercado bombardearam nas nossas mentes. 

Acreditar que a realização tranquila e generosa do desejo natural de amar é possível, destrói as ideologias que cegam, mutilam e reprimem. Esta consciência abre caminho a um tipo de comunidade que assustaria os “moralistas” e transformaria exércitos de homens que são mercenários por não terem podido ser pessoas de amor.

A filosofia Budista do Avatamsaka (Kegon) vê o mundo como uma ampla rede interligada, na qual todos os objectos e seres são necessários e iluminados. De um certo ponto de vista, os governos, as guerras, e tudo o que consideramos “mau” está sem dúvida dentro desta globalidade. O falcão, o voo em picada e a lebre são unos. 


Do ponto de vista “humano” não podemos viver nestas condições a menos que todos os seres vejam através do mesmo olhar desperto. O Bodhisattva vive segundo o padrão do que sofre e a sua ajuda deve ser efectiva aos que sofrem.

A grande conquista do Ocidente foi a revolução social; a do Oriente é a percepção do vazio do eu. Necessitamos das duas. Ambas estão contidas nos três aspectos tradicionais do caminho do Dharma: a sabedoria (prajña), a meditação (dhyâna) e a moralidade (sîla). 


A sabedoria é o conhecimento intuitivo da mente de amor e claridade que jaz debaixo das ansiedades e as agressões dirigidas pelo ego. 

A meditação é ir até ao âmago da mente para ver isto tudo por si mesmo – uma e outra vez, até que se torne a mente em que a pessoa reside. 

A moralidade é levar isto de volta para o dia-a-dia na maneira como se vive, através do exemplo pessoal e da acção responsável, e em última instância até a verdadeira comunidade (sangha) de “todos os seres”.

Este último aspecto tem um sentido que, para mim, sustenta toda a revolução cultural ou económica, claramente dirigida à criação de um mundo livre, internacionalista e sem classes. 


Significa utilizar meios como a desobediência civil, a crítica aberta, o protesto, o pacifismo, a pobreza voluntária, e inclusive a violência gentil quando houver que conter algum reaccionário impetuoso. 

Significa manter o leque de todos os comportamentos individuais não-violentos o mais amplo possível – defendendo o direito dos indivíduos de fumar cannabis, comer peyote, de ser poligâmico, poliândrico ou homossexual. Comportamentos e práticas proibidas durante muito tempo no Ocidente judeu-capitalista-cristão-marxista. 

Significa respeitar a inteligência e o conhecimento, mas não como avidez ou meio para conseguir poder pessoal. Trabalhar sob a própria responsabilidade, mas querendo trabalhar em grupo. “Formar a nova sociedade no casulo da antiga” – foi o slogan do sindicato Industrial Workers of the World há cinquenta anos atrás.

De todas formas, as culturas tradicionais estão condenadas a desaparecer e, mais do que nos agarrarmos desesperadamente aos seus bons aspectos, deveríamos lembrarmo-nos de que qualquer coisa que pertenceu ou pertence a outra cultura pode ser reconstruída a partir do inconsciente, através da meditação. 


De facto, acredito que a revolução por vir voltará a fechar o círculo e, de várias formas, nos unirá novamente com os aspectos mais criativos do nosso passado ancestral. Com um pouco de sorte, no final poderemos chegar a uma cultura mundial totalmente integrada com transmissão matrilinear, casamento em formas livres, economia comunista de crédito natural, menos industrias, muito menos gente e muito mais parques naturais.

Gary Snider, 1961


* A primeira versão deste texto foi publicada em 1961 com o título "Buddhist Anarchism" (Anarquismo Budista) no Journal for the Protection of All Beings (nº 1, City Lights, 1961). Uma segunda versão revista apareceu com o novo título de "Buddhism and the Coming Revolution" (O Budismo e a Revolução Por Vir) no livro de Snyder Earth House Hold (New Directions, 1969). Na introdução, o autor explica: "Sendo problemático o termo anarquismo, alguns anos depois revi e dei um novo título ao texto. Nos anos Cinqüenta, em São Francisco, entendiamos por anarquismo uma filosofia não-violenta de autogestão e comunitarismo. Mas acontecimentos, como os atentados de bombas de século Dezenove, são atribuidos aos anarquistas. Suponho que sempre existiram duas correntes anarquistas, a violenta e a pacifista". Uma terceira versão intitulada "Buddhism and the Possibilities of a Planetary Culture" (O Budismo e as Possibilidades de uma Cultura Planetária) foi publicada mais tarde em várias obras (The Path of Compassion: Writings on Socially Engaged Buddhism, ed. Fred Eppsteiner, Parallax Press, 1985; Deep Ecology, ed. Bill Devall & George Sessions, Peregrine Smith, 1985). A versão publicada aqui é a segunda, de 1969.

** Gary Snyder é um poeta norte-americano, praticante do Budismo Zen, montanhista, activista pelo ambiente, filósofo da ecologia profunda, membro fundador da Geração Beat e um dos poetas de Black Mountain. Foi membro da organização IWW (Industrial Workers of the World).

- Tradução a partir da fonte: http://www.bopsecrets.org/CF/garysnyder.htm



quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Marinaleda - Uma aldeia andaluza que é um modelo de cooperação e de autogestão contra todos os centralismos




Marinaleda = 2600 habitantes,
Marinaleda= 0 banqueiros
Marinaleda = 0 Promotores imobiliários
Marinaleda = 0 Especuladores
Marinaleda = 0 polícias
Marinaleda = 0 desempregados


O município de Marinaleda tem uma longa tradição de luta travada pelos jornaleiros rurais o que explica o actual modo de vida existente naquela comunidade andaluz.
Em Marinaleda não há desemprego, nem guarda municipal, nem muito menos pároco.
Marinaleda está governada desde 1979 pelo Colectivo de Unidad de los Trabajadores - Bloque Andaluz de Izquierdas (CUT), partido de esquerdas e andalucista. No ano de 1986 o CUT, juntamente com outras organizações, criaram a Izquierda Unida, movimento que desde então governa o municipio.


http://www.marinaleda.com/inicio.htm








Marinaleda - Uma aldeia andaluza que é um modelo cooperação e de autogestão
por Mohamed Belaali


"Avenida da Liberdade", "Rua Ernesto Che Guevara", "Praça Salvador Allende, "Paz, Pão e Trabalho", "Desliga a TV, acende a tua mente", "Uma utopia rumo à Paz", etc são os nomes de ruas, de praças e dos slogans de uma aldeia andaluza não longe de Córdoba e de Sevilha que o visitante estrangeiro descobre no fim de uma estrada sinuosa em meio a campos de oliveiras, de trigo cortado e seco ao sol.


A rua principal da pequena aldeia com cerca de 3000 habitantes conduz directamente ao ayuntamiento dirigido por Juan Manuel Sánchez Gordillo, que ganhou todas as eleições por uma ampla maioria e isto desde há mais de trinta anos.


Juan Manuel é um homem simples que recebe os visitantes no seu gabinete, que ostenta um grande retrato de Ernesto Che Guevara, espontaneamente e naturalmente sem agendamento nem protocolo. Ele não hesita em deixar o seu gabinete para mostrar as casas brancas situadas em frente ao edifício e construídas colectivamente pelos próprios habitantes em terras oferecidas quase gratuitamente (15,52 euros por mês) pela comuna. Esta põe igualmente à sua disposição a ajuda de um arquitecto e de um mestre-de-obras. A região contribui com o grosso do material de construção. Promotores imobiliários, especuladores e outros parasitas não têm aqui lugar. A habitação deixa assim de ser uma mercadoria e torna-se um direito.


Juan Manuel fala com entusiasmo e orgulho das numerosas realizações dos habitantes do seu município, com números e gráficos para confirmar.


O empregado do café "La Oficina", um pouco afastado do ayuntamiento, relativiza um pouco as afirmações daquele dirigente mas confirma, no essencial, os avanços sociais da aldeia, nomeadamente a concessão dos terrenos àquelas e àqueles que precisam de uma habitação, primeira preocupação dos espanhóis. Ele confirma também a ausência total da polícia, símbolo da repressão estatal. Com efeito, os habitantes não experimentam qualquer necessidade de recorrer aos seus "serviços". Aqui os problemas de criminalidade, de delinquência, de vandalismo, etc estão ausentes. Eles pensam gerir e resolver eles próprios os problemas que possam surgir entre si. De qualquer forma, desde a partida para a reforma do último polícia, não consideraram útil substituí-lo.


Frente ao "La Oficina" ergue-se um edifício sobre o qual se pode ler "Sindicato de Obreros del Campo" e "Casa da Cultura". Mas esta grande sala serve igualmente como café, bar e restaurante. É um lugar de inter-relacionamento, debates, festa e convivialidade. É ali também que se encontram, a partir da madrugada, os trabalhadores agrícolas para um pequeno-almoço colectivo antes de partirem juntos para uma jornada de trabalho de 6h30 nos campo de "El Humoso", a 11 quilómetros da aldeia.


Esta terra andaluza, hoje trabalhada colectivamente, é testemunha de um passado carregado de acções, ocupações, manifestações, greves, marchas e processos nos tribunais. E é graças a esta luta muito dura e realmente popular que esta terra (1200 hectares) foi arrancada a um aristocrata da região, o Duque do Infantado. Nesta Andaluzia profunda as mulheres, apesar dos pesos sociais e dos preconceitos, desempenharam um papel determinante neste combate para que a terra pertença àquelas e àqueles que a trabalham.


Hoje "estas terras não são a propriedade de ninguém e sim de toda a comunidade de trabalhadores", como dizem os habitantes da aldeia.


Mas para estes operários, não se trata apenas de recuperar as terras, mas também de construir "um projecto colectivo no qual um dos objectivos é a criação de empregos e a realização da justiça social".


Foi assim que nasceu o conjunto das cooperativas que produzem e distribuem uma série de produtos agrícolas de grande qualidade que exigem ao mesmo tempo uma mão-de-obra abundante: azeite, conservas de alcachofras, pimentão vermelho, favas, etc. Os produtores directos destas riquezas trabalham de 2ª feira a sábado com um remuneração diária de 47 euros, qualquer que seja o seu posto ou seu estatuto. O excedente que resta é re-investido na empresa comum na esperança de criar mais empregos e permitir assim que todos trabalhem conforme o seu projecto colectivo. Eles tentam por a economia ao serviço do homem e não ao serviço do lucro. O desemprego aqui é quase inexistente, ao passo que ultrapassa os 25% da população activa na Andaluzia e 20% em toda a Espanha!


Em "El Humoso" as operárias e os operários falam com uma certa emoção da sua cooperativa, do seu trabalho, dos seus produtos, da solidariedade e da convivialidade que reinam entre eles. Mas evocam igualmente o temor de ver a sua unidade estalar por causa dos seus inimigos que pensam ser numerosos na região e mesmo em toda Espanha. Nos seus relatos revela-se muita convicção e muita humanidade.


Manolo, um operário da cooperativa, fala com carinho, como se se tratasse de uma pessoa, da máquina de extrair o azeite da azeitona, de que ele cuida. Não hesita em explicar o seu funcionamento, a manutenção de que precisa, etc a todos os visitantes. Fala igualmente com respeito do seu companheiro de luta, o presidente Juan Manuel que considera como "el ultimo" desta categoria de homens capazes de enfrentar um tal desafio e de conjugar num mesmo movimento pensamento e prática. Manolo evoca também a vida ascética do autarca da aldeia, as prisões e as perseguições judiciais que sofreu e o atentado do qual escapou. Com insistência, Manolo convida o visitante a retornar à cooperativa no mês de Dezembro ou Janeiro para admirar o trabalho de extracção do azeite.


Mas na aldeia não há nem hotel nem pensão para uma eventual estadia. Entretanto, a municipalidade põe graciosamente à disposição dos visitantes pavilhões os quais podem igualmente, se quiserem, partilhar o alojamento de alguns habitantes por uma quantia simbólica como em casa de António na avenida principal da aldeia. António acolhe calorosamente seus convidados com os quais gosta de falar da originalidade da sua aldeia e parece feliz por viver ali: "agora, dizia ele, vivemos em harmonia aqui".


Vivem igualmente em harmonia com os habitantes da aldeia os trabalhadores imigrantes, também eles contratados pela cooperativa de "El Humoso". Segundo diz o empregado do café da delegação sindical estes homens e mulheres fazem parte integrante da comunidade dos trabalhadores e participam como os outros nas decisões tomadas em assembleias-gerais. Com efeito, estas famosas assembleias fazem-se numa grande sala junto à delegação sindical onde ao lado das cadeiras brancas de plástico há toda espécie de louça e de toalhas armazenadas, provavelmente à espera de uma próxima festa popular. A sala é também ornamentada por um imenso e esplêndido quadro no qual se podem ver homens e mulheres em linhas cerradas antecedidos por dois homens e uma mulher com uma criança nos braços, todos a marcharem para a mesma direcção. "Hoje às 20h30, assembleia-geral na delegação sindical", diz a menagem difundida incansavelmente por uma camioneta que percorre todas as ruas da aldeia, convidando os habitantes à reunião para decidir os seus assuntos.


Eles organizam também os chamados "Domingos vermelhos" em que voluntários encarregam-se gratuitamente, entre outras coisas, de limpar e embelezar a sua comuna: manutenção dos passeios e jardins públicos, plantação de árvores, etc. A aldeia é não só uma das mais seguras como também a mais limpa da região!


A aldeia é relativamente rica em equipamentos colectivos em comparação com as comunas vizinhas. Os habitantes podem banhar-se durante todo o Verão na piscina municipal pela módica quantia de três euros. O infantário para crianças não lhes custa senão 12 euros por mês, refeições incluídas. O complexo desportivo "Ernesto Che Guevara", bem conservado, permite-lhes que pratiquem vários desportos como futebol, ténis ou atletismo.


Durante o Verão, os habitantes assistem regularmente à projecção de filmes ao ar livre no parque natural. Debates, conferências, filmes e apoio aos povos oprimidos, nomeadamente aqueles que estão injustamente privados do seu território, fazem parte da vida cultural e política da aldeia. Juan Manuel usa muitas vezes, ostensivamente, o lenço palestino.


O desporto, a cultura, as festas etc são direitos abertos a todos, tal como o trabalho e a habitação. O desenvolvimento tanto material como intelectual de cada indivíduo é, aqui, a condição do desenvolvimento de todos.


Vá a Marinaleda ver e verificar a realidade desta "utopia". Vá ao encontro destes homens e destas mulheres admiráveis que conseguiram construir, graças ao seu trabalho diário e às suas convicções – e em meio a um oceano de injustiças, desgraças e servidão – uma sociedade diferente. O capitalismo, pelas suas crises repetitivas e o perigo que representa para o homem e a natureza, não tem futuro. O exemplo concreto e com êxito de Marinaleda mostra que uma outra sociedade é possível.


Tradução para português: http://resistir.info/espanha/marinaleda.html


Fonte:
www.legrandsoir.info/Marinaleda-un-modele-d-auto-gestion-unique-en-Europe.html


segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Anarquismo Budista, por Gary Snider I




O budismo baseia-se na ideia de que o universo e todas as suas criaturas estão intrinsecamente num estado de completa sabedoria, amor e compaixão, agindo com espontaneidade e interdependência mútua. A realização pessoal deste estado inicial não será alcançada através do "eu", porque a sua total realização apenas é possível quando este desistir do ego.

Na perspectiva Budista, o que impede a manifestação do "verdadeiro eu" é ignorância, projectada em medos e ansiedades desnecessária. Historicamente, os filósofos budistas não souberam analisar até que ponto a ignorância e  sofrimento são causados ou favorecidos por factores sociais, considerando o medo e o desejo como elementos intrínsecos à condição humana. Assim, a filosofia budista interessou-se principalmente pela teoria do conhecimento e pela psicologia, em detrimento da análise de problemas históricos ou sociológicos.

Embora o Budismo Mahayana possua uma ampla visão de salvação universal, a sua efectiva realização foi o desenvolvimento de sistemas práticos de meditação, para libertar uma minoria de indivíduos de perturbações psicológicas e condicionamentos culturais. O Budismo tradicional esteve claramente disposto a aceitar ou a ignorar as desigualdades e as tiranias debaixo de qualquer sistema político em que se encontrou. Isto pode significar a morte do Budismo porque é a morte de qualquer forma de compaixão. A sabedoria sem compaixão não sente dor.

Hoje em dia ninguém se pode considerar inocente ou permanecer ignorante sobre a natureza dos governos, a política e as ordens sociais contemporâneas. As políticas do mundo moderno mantêm a sua existência através da promoção deliberada da ansiedade e do medo. 

O “mundo livre” tornou-se economicamente dependente dum fantástico sistema de estímulo da ganância que não pode ser contida, da sexualidade que não pode ser satisfeita, do ódio que não se expressa a não ser contra nós mesmos, das pessoas que é suposto amarmos, ou das aspirações revolucionárias de lamentáveis sociedades marginais flageladas pela pobreza, como Cuba ou o Vietname. 

As condições da Guerra Fria transformaram todas as sociedades modernas – incluindo as comunistas – em corrompidos deturpadores do verdadeiro potencial humano. Criam legiões de "preta" – fantasmas famintos com um apetite de gigante e uma garganta não mais ampla do que uma agulha. A terra, os bosques e toda a vida animal estão a ser consumidos por essas colectividades cancerosas que contaminam o ar e a água do planeta.

Não há nada na natureza humana ou nas condições necessárias para a organização social humana que exija intrinsecamente que uma cultura seja contraditória, repressiva e produtora de uma humanidade violenta e frustrada. Recentes descobertas antropológicas e psicológicas demonstram-no de forma cada vez mais evidente. 

Cada um pode ver isso por si mesmo, mediante a observação da sua própria natureza, através da meditação. Uma vez que a pessoa tenha desenvolvido tal confiança e intuição, isto deve ser traduzido num compromisso real com a necessidade de uma mudança social radical, através de uma ampla variedade de meios, preferencialmente não-violentos.