Ontem o Ministro das Finanças português parou o país e suspendeu
todos os pagamentos com excepção de salários directos. Abundantemente
citado, pela esquerda, contra esta decisão, está Krugman, que defende
esta política, gravíssima, e que aqui resumo: há que parar a
austeridade, dar crédito, fazer crescer o emprego, enquanto calmamente se
desvalorizam os salários. Trata-se de adiar a miséria. Vou explicar-me:
o grave é que mais cedo ou mais tarde alguém paga a conta e, ao
contrário do que disse Keynes, no futuro não estamos todos mortos. Nós
por exemplo, estamos vivos e a pagar as contas.
Não há nenhum intelectual, nenhum presidente da Europa, que não tenha
avisado publicamente que a Europa “caminha para uma guerra”. Junker, ex
líder do euro grupo, fê-lo publicamente este mês. Quantos, porém na
esquerda, entre os intelectuais críticos do Estado, pergunto, lembraram,
que antes da Europa entrar em guerra tiveram que derrotar-se várias
revoluções? Dito de outra forma? Que guerra é esta que só tem um lado? E
vencedores e vencidos antes de começar?
A queda tendencial da taxa de lucro é a lei da gravidade. Caiu e vai
voltar a cair. Na produção norte-americana e não nas casas ou casinhas.
Já “não há saco”, como dizem os brasileiros, para este comboio de
superficialidades numa situação tão grave para milhões de pessoas. A
crise não é financeira nem um problema de gestão.
A burguesia norte americana compreendeu bem isso. Deixou falir uns
quantos bancos, despediu e queimou capital, o salário médio caiu, a
produtividade aumentou (relatório da OIT), colocaram triliões na
indústria de guerra da Boeing, na IBM e na GE, e estão, desde 2009, em
franca recuperação.
Se a dívida pública (uma renda fixa de capital) é alta, isso é
irrelevante desde que o capital rode sem parar, onde pode. A dívida
pública só é alta se for paga – e os EUA sabem-no, junto com a Alemanha,
melhor do que ninguém – os maiores calotes históricos estão nas suas
mãos (1929, 1933, 1945, 1973). Nunca é demais lembrar que a guerra
colonial portuguesa (1961-1974), por exemplo, trucidou o orçamento
público mas fez as fábricas e os estaleiros das margens de Lisboa
desabrocharem com o apoio imberbe de operários orgulhosos no seu
trabalho – viam os ofícios sem compreender a máquina de guerra que
estava nas suas mãos, enquanto a economia chegou a crescer a dois
dígitos nos final dos anos 60! A falência pública só é um problema para o
capital se acabar em falência privada.
A burguesia norte-americana empurrou o problema para a Euro
imprimindo dólares. E isso faz-se sem revoluções quando se é o país com
maior produtividade do mundo. A Europa viu-se a braços com a queda
tendencial da taxa média de lucro (tão visível no estado de coma da
indústria automóvel alemã, italiana e francesa em 2008!) e a combinação
destes dois factores (desvalorização do dólar e queda da taxa média de
lucro na indústria) levou quási ao colapso o crédito na Europa.
Um parênteses: sabem os caros leitores que a indústria automóvel
alemã está isentada de impostos desde 2008, em lay offs permanentes?
Sabem caros leitores que a Siemens virou-se para a saúde (dos cofres
públicos, em parcerias público-privadas pelo mundo todo, em Portugal,
com o Grupo Mello e Espírito Santo) e que a Fiat está em lay off 28 dias
por mês? Mirafiori, um dia a maior fábrica de carros do mundo, na bela
cidade de Turim, onde estive há uns meses, é uma espécie de Chernobyl,
só tem bactérias invisíveis, nem um ser humano…
O eixo franco–alemão reagiu, empurrando a crise para a periferia da
Europa. Mas não colonizou o sul da Europa, é preciso lembrá-lo! Quando
se grita, como em Portugal, nas ruas, Que se Lixe a Troika é preciso
lembrar que a Troika não aterrou sozinha, nem aqui, nem na Grécia nem,
por outras vias, em Espanha ou Itália. Isto não é o Botsuana e sendo
periferias são periferias num espaço central.
Explico-me e não sei explicar, lamento, sem usar esta palavra tabu,
ainda, a burguesia, isto é os detentores dos meios de produção. Porque
empresários também há pequenos e elites também há no movimento operário.
A EU e o FMI representam uma fracção da burguesia alemã e francesa que fez um acordo com uma ou mais fracções da burguesia portuguesa e do sul da Europa. Assente em algo como isto:
A EU e o FMI representam uma fracção da burguesia alemã e francesa que fez um acordo com uma ou mais fracções da burguesia portuguesa e do sul da Europa. Assente em algo como isto:
1 – Dívida pública paga com salários (ganha o sector ligado à Banca);
2 – Queda do custo unitário do trabalho para favorecer as exportações (capitais mistos do sul e do norte da Europa, Portucel, Grupo Mello, Amorim, Repsol Portugal, Nestlé Portugal, comunicações, etc.);
3 – Mercantilização dos serviços públicos (mais uma vez capitais mistos, na saúde o caso óbvio de associação entre o Grupo Mello e a Siemens Healthcare Global, mas muito mais longe será na segurança social, nos transportes, na educação).
2 – Queda do custo unitário do trabalho para favorecer as exportações (capitais mistos do sul e do norte da Europa, Portucel, Grupo Mello, Amorim, Repsol Portugal, Nestlé Portugal, comunicações, etc.);
3 – Mercantilização dos serviços públicos (mais uma vez capitais mistos, na saúde o caso óbvio de associação entre o Grupo Mello e a Siemens Healthcare Global, mas muito mais longe será na segurança social, nos transportes, na educação).
O Ministro das Finanças diz que tem que cortar 4 mil milhões de euros
mais, e diz que vai fazer na saúde, educação e segurança social. É um
massacre, num país que já tem 42% de pobres e quase 1 milhão de pessoas
dependentes de subsídios vegetativos para viver.
No meio deste panorama, agora, obviamente o sector da burguesia
portuguesa ligada mais ao consumo interno, que foi destruído com a
quebra salarial, está em pânico e por isso os partidos, os juízes, os
reitores, os comentadores, os presidentes de câmara, todas as
instituições do Estado, estão em conflito. Esse conflito, que nos chega à
hora nobre nos jornais, expressa este outro conflito mais profundo:
quem vai pagar a crise e quem vai ganhar com ela?
O PS e sectores do PSD críticos, que representam este sector, não vão
fazer cair este Governo sem o povo na Rua, porque este Governo
representa aquele sector da burguesia que está agarrado aos dinheiros
públicos (dívida pública, PPPs) como um doente em coma ligado à máquina.
Mas têm medo do povo na Rua, porque não querem nada a não ser que sejam
eles a ir para o Governo agarrar-se ao respirador que lhe dá a vida, o
dinheiro do Estado, o nosso dinheiro do Estado deles. E o Povo ainda não
saiu à rua na esperança de que o PS e o PSD, sectores críticos,
resolvam o que não podem resolver. Este imbróglio pode durar 16 anos
como na República ou 19 meses como no 25 de Abril.
A mim, só me surpreende que tanto se fale de Guerra e ninguém diga a palavra Revolução.