Irrealismo ou barbárie
Na 10ª avaliação do programa de ajustamento português, publicada esta semana, o FMI apresenta as habituais projecções macroeconómicas para os próximos anos. Segundo o staff do Fundo, entre 2014 e 2019:
Já aqui questionei a razoabilidade de cenários construídos em torno destes valores (semelhantes aos que têm sido utilizados pelo governo).
Lembrei-me de olhar para a experiência histórica dos vários Estados Membros da UE, de modo a perceber quais os países e em que circunstâncias o cenário apresentado se verificou. O resultado é o que se segue.
Entre 1996 e 2012 é possível obter 446 observações válidas para os 28 Estados Membros da UE (446 observações = 28 países x 17 anos - 30 observações em falta por falta de dados). Neste periodo verificamos que:
Por outras palavras, os pressupostos assumidos pelo cenário do FMI e do governo só se verificarm num número insignificante de casos nos últimos 17 anos.
Mas não é tudo. Vejam quais os países e os anos em causa (coluna da direita). Nenhum dos seis países tem problemas sérios de dívida externa. Só um desses países - a Itália - verificou nos últimos anos, à semelhança de Portugal, um agravamento das suas contas externas, o que em larga medida é explicado pela debilidade da sua estrutura produtiva (como procurei mostrar aqui). E o único ano em que a Itália atingiu os valores referidos, no período em análise, foi 2012 - um ano em que aquele país foi sujeito a um terapia de choque que dificilmente poderia prolongar-se por anos e anos.
Ou seja, não só o cenário do FMI e do governo é improvável em geral, como é praticamente desconhecido para países que tenham uma situação económica e financeira semelhante à portuguesa.
Só há duas explicações possíveis para que o FMI e o governo apresentem cenários tão improváveis: ou não acreditam nos seus próprios valores (que apresentam apenas para tentar convencer-nos que o programa de ajustamento português foi mesmo um sucesso); ou então estão a preparar-se para um ataque ao Estado Social de dimensões bárbaras, que não têm paralelo histórico. Ou então ambos.
- a taxa de crescimento do PIB português em termos nominais estabilizará nos 3,6% (1,8% de crescimento real e 1,8% de inflação);
- a procura interna crescerá entre 0% e 1,4%; e
- a taxa de juro média da dívida pública a 10 anos aumentará de 3,4% para 4%.
Já aqui questionei a razoabilidade de cenários construídos em torno destes valores (semelhantes aos que têm sido utilizados pelo governo).
Lembrei-me de olhar para a experiência histórica dos vários Estados Membros da UE, de modo a perceber quais os países e em que circunstâncias o cenário apresentado se verificou. O resultado é o que se segue.
Nº de anos (entre 1996 e 2012) em que o país em causa verificou as hipóteses indicadas
Fonte:AMECO
Entre 1996 e 2012 é possível obter 446 observações válidas para os 28 Estados Membros da UE (446 observações = 28 países x 17 anos - 30 observações em falta por falta de dados). Neste periodo verificamos que:
- só em 6,1% dos casos aconteceu um país ter um saldo orçamental primário superior a 2% num ano em que o PIB tivesse crescido 3,6% ou menos em termos nominais;
- só em 3,8% dos casos se verificaram as condições anteriores, ao mesmo tempo que a procura interna não crescia mais do que 1,4%; e
- só em 1,6% dos casos se verificaram as condições anteriores ao mesmo tempo que a inflação (medida pelo deflator do PIB) não foi além de 1,8%.
Por outras palavras, os pressupostos assumidos pelo cenário do FMI e do governo só se verificarm num número insignificante de casos nos últimos 17 anos.
Mas não é tudo. Vejam quais os países e os anos em causa (coluna da direita). Nenhum dos seis países tem problemas sérios de dívida externa. Só um desses países - a Itália - verificou nos últimos anos, à semelhança de Portugal, um agravamento das suas contas externas, o que em larga medida é explicado pela debilidade da sua estrutura produtiva (como procurei mostrar aqui). E o único ano em que a Itália atingiu os valores referidos, no período em análise, foi 2012 - um ano em que aquele país foi sujeito a um terapia de choque que dificilmente poderia prolongar-se por anos e anos.
Ou seja, não só o cenário do FMI e do governo é improvável em geral, como é praticamente desconhecido para países que tenham uma situação económica e financeira semelhante à portuguesa.
Só há duas explicações possíveis para que o FMI e o governo apresentem cenários tão improváveis: ou não acreditam nos seus próprios valores (que apresentam apenas para tentar convencer-nos que o programa de ajustamento português foi mesmo um sucesso); ou então estão a preparar-se para um ataque ao Estado Social de dimensões bárbaras, que não têm paralelo histórico. Ou então ambos.