domingo, 29 de agosto de 2010

O que é amar ( por Bakunin)





Carta de Bakunine ao irmão Paulo ( 29 de Março de 1845)


Continuo a ser eu próprio, como antes, inimigo declarado da realidade existente, só que com uma diferença: eu parei de ser um teórico, eu venci, enfim, em mim, a metafísica e a filosofia, e entreguei-se inteiramente, com toda a minha alma, ao mundo prático, ao mundo dos factos reais.

Acredite em mim, amigo, a vida é bela; agora tenho pleno direito de dizer isto porque parei há muito tempo de olhá-la através das construções teóricas e de conhecê-la somente em fantasia, pois experimentei efectivamente muitas das suas amarguras, sofri muito e entreguei-me frequentemente ao desespero.

Eu amo, Paulo, amo apaixonadamente: não sei se posso ser amado como gostaria que fosse, porém não me desespero; sei, pelo menos, que tem muito simpatia por mim; devo e quero merecer o amor daquela a quem amo, amando-a religiosamente, ou seja, activamente; ela está submetida à mais terrível e à mais infame escravidão e devo libertá-la combatendo os seus opressores e incendiando no seu coração o sentimento da sua própria dignidade, suscitando nela o amor e a necessidade da liberdade, os instintos da rebeldia e da independência, fazendo-lhe recordar a sensação da sua força e dos seus direitos.

Amar é querer a liberdade, a completa independência do outro; o primeiro acto do verdadeiro amor é a emancipação completa do objecto que se ama; não se pode amar verdadeiramente a não ser alguém perfeitamente livre, independente, não só de todos os demais, mas também e, sobretudo, daquele de quem é amado e a quem ama.

Esta é a profissão da minha fé política, social e religiosa, aqui está o sentido íntimo, não só dos meus actos e das minhas tendências políticas, mas também, tanto quanto me é possível, da minha existência particular e individual; porque o tempo em que poderiam ser separados estes dois géneros de acção está muito longe da gente; agora o homem quer a liberdade em todas as acepções e em todas as aplicações desta palavra, ou então não a quer de modo algum; querer a dependência daquele a quem se ama é amar uma coisa e não um ser humano, porque o que distingue o ser humano das coisas é a liberdade; e se o amor implicar também a dependência, é o mais perigoso e infame do mundo porque é então uma fonte inesgotável de escravidão e de embrutecimento para toda a humanidade.

Tudo que emancipa os homens, tudo que, ao fazê-los voltar a si mesmos, suscita neles o princípio da sua vida própria, da sua actividade original e realmente independente, tudo o que lhes dá força para serem eles mesmos, é verdade; tudo o resto é falso, liberticida, absurdo. Emancipar o homem, esta é a única influência legítima e bem-feitora.

Abaixo todos os dogmas religiosos e filosóficos – que não são mais que mentiras; a verdade não é uma teoria, mas sim um facto; a vida é a comunidade de homens livres e independentes, é a santa unidade do amor que brota das profundidades misteriosas e infinitas da liberdade individual.



NOTA BIOGRÁFICA

Mikhail Bakunin (1814-1876), de origem aristocrática, que percorreu toda a Europa como activista revolucionário e exilado político, foi um dos fundadores da Associação Internacional dos Trabalhadores, também conhecida por I Internacional, sendo uma das figuras mais importantes do movimento e do pensamento anarquista. Da sua bibliogarfia destaca-se o livro Deus e o Estado.



A carta reproduzida acima tem data de 29 de Março de 1845 e foi enviada de Paris por Bakunine ao seu irmão Paulo.

pimenta negra

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Melech Mechaya - Bulgar from Odessa

 


Já agora, que estão a curtir e a dançar, por favor vão ver o doc "Uma na Bravo Outra na Ditadura - 1/2".
Conheçam a geração de 70... Quiçá a vossa geração!

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Roncos do Diabo - Repasseado de Rio de Onor

Ecos da Terra 2010


Foi com o maior prazer que assisti ao festival Ecos da Terra este último fim de semana, em Celorico de Bastos.
Com um espírito de ecologia e música tradicional, este festival pontuou pela positiva, não só pelo belíssimo local onde foi instalado, mas por não ter sido usado copos de plástico, mas sim canecas de lata que foram vendidas aos participantes, com o símbolo do festival lá gravado. Assim, o chão continuou limpo até ao fim do festival.
Quanto aos grupos que participaram, todos actuaram de forma a encantar o público, que não se cansou de saltar e bailar.
A nova geração de músicos populares portugueses está aí, e recomenda-se.

Programa

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

GAIA Lisboa precisa de sede



Quarta, 2010-08-18 00:05 — catarinafleal
O núcleo de Lisboa da associação GAIA (Grupo de Acção e Intervenção Ambiental) procura um novo espaço para a associação! Nos últimos três anos o GAIA contou com um espaço na Mouraria, alugado ao GDM (Grupo Desportivo da Mouraria), onde desenvolveu um projecto de um centro social e ambiental onde se desenvolveram diferentes actividades, abertas a todos: biblioteca, horta popular, jantares populares, grupo de teatro, núcleo de línguas, centro de explicações, filmes, debates, oficinas, educação ambiental, loja grátis, entre outros.
No entanto, com a recente mudança de direcção do GDM, o panorama alterou-se e a nova direcção diz que precisa de mais espaço para estender as modalidades desportivas, o que inclui recuperar as salas que o GAIA alugava, tal como o escritório, a sala de reuniões, a biblioteca e a loja grátis.

sábado, 14 de agosto de 2010

Serge Latouche: Decrescimento ou barbárie!

Por: Patricia Fachin, 01/06/2009
 
" O decrescimento é a única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização instaurada, considera Serge Latouche"                      



“O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando”, avalia o economista francês Serge Latouche, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line. Segundo ele, a crise financeira e o caos ambiental instalados no planeta farão o capitalismo reencontrar “a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade”. 

Ao ser questionado sobre a possibilidade de conciliar crescimento económico e sustentabilidade, ele é enfático: “Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião”. Segundo ele, o PIB não pode mais crescer, e a “única possibilidade para escapar ao pauperismo” é “retornar aos elementos fundamentais do socialismo”.

Latouche, além de economista, é sociólogo, antropólogo, professor de Ciências Económicas na Universidade de Paris-Sul e presidente da Associação Linha do Horizonte. É doutor em Filosofia, pela Université de Lille III, e em Ciências Econômicas, pela Université de Paris, diplomado em Estudos Superiores em Ciências Políticas, pela Université de Paris, e director de pesquisas no Instituto de Estudos do Desenvolvimento Económico e Social (Iedes). Entre suas publicações, citamos, La déraison de la raison économique (Paris: Albin Michel, 2001), Justice sans limites – Le défi de l’éthique dans une éco no mie mon di a li sée (Justiça sem limites. O desafio da ética numa economia globalizada) (Paris: Fayard, 2003) e La pensée créative contre l’économie de l’absurde (O pensamento criativo contra a economia do absurdo) (Paris: Parangon, 2003). 

IHU On-Line – Em que sentido o decrescimento pode ser uma alternativa ao caos financeiro, do meio ambiente e do actual modelo económico?

Serge Latouche - Se proclamarmos que o crash financeiro desencadeado pelo abuso dos derivativos (ou sub-produtos dos créditos) é uma boa coisa, então, embora ele seja o iniciador de uma crise bancária e económica que corre o risco de ser longa, profunda e talvez mortal para o sistema, podemos ser acusados de provocação. No entanto, para os opositores do crescimento, esta crise constitui o sinal anunciador do fim de um pesadelo. 

Não se trata, por certo, de negar que esta crise irá atingir com o desemprego milhões de pessoas e gerar sofrimentos para os deserdados do Norte e do Sul. Porém, e acima de tudo, o decrescimento escolhido não é o decrescimento sofrido. 


O projecto de uma sociedade de decrescimento é radicalmente diferente do crescimento negativo, aquele que agora já conhecemos. 

O primeiro é comparável a uma cura de austeridade empreendida voluntariamente para melhorar o próprio bem-estar, quando o hiper consumo vem ameaçar-nos pela obesidade. 

O segundo é a dieta forçada, podendo levar à morte pela fome. Nós o dissemos e repetimos bastantes vezes. Não há nada pior do que uma sociedade de crescimento sem crescimento. 


Sabe-se que a simples desaceleração do crescimento mergulha nossas sociedades no descontrole, em razão do desemprego, do aumento do abismo que separa ricos e pobres, dos atentados ao poder de compra dos mais desprovidos e do abandono dos programas sociais, sanitários, educacionais, culturais e ambientais que asseguram um mínimo de qualidade de vida. 

Pode-se imaginar que enorme catástrofe pode originar uma taxa de crescimento negativo. Esta regressão social e civilizacional é precisamente o que nos espreita, se não mudarmos de trajectória.

IHU On-Line - Como manter o equilíbrio entre crescimento econômico e meio ambiente?

Serge Latouche - Impossível. É preciso renunciar ao crescimento enquanto paradigma ou religião. 

IHU On-Line – Quais são os limites e as possibilidades de criar uma economia nova, mais sustentável? Quais seriam os seus princípios? 

Serge Latouche - Hoje em dia, a festa acabou: já não há mais margens de manobra. A torta, isto é, o produto interno bruto, não pode mais crescer. Mais ainda (e nós o sabemos muito bem há longo tempo, embora nos recusemos a admiti-lo), a economia não deve crescer. A única possibilidade para escapar ao pauperismo, tanto no Norte como no Sul, é a de retornar aos elementos fundamentais do socialismo, mas sem esquecer, desta vez, a natureza: repartir o bolo de maneira equitativa. 

Ele era trinta a cinquenta vezes menor em 1848 e, no entanto Marx,  mas também John Stuart Mill,  já pensavam que o problema não era o volume da torta, mas sua injusta repartição! 

Como, crescendo, a torta se tornou cada vez mais tóxica – as taxas de crescimento da frustração, seguindo a fórmula de Ivan Illich,  excedendo amplamente as da produção – era inevitavelmente necessário modificar a receita. 

Inventamos, então, uma bela torta com produtos biológicos, de uma dimensão razoável para que nossos filhos e nossos netos pudessem continuar a produzi-la, e a compartilhamos equitativamente. As partes não serão talvez muito grandes para nos tornar obesos, mas a alegria estará no encontro marcado. 

Com outras palavras, ela nos oferece a oportunidade de construir uma sociedade eco-socialista e mais democrática. Tal é o programa do decrescimento, única receita para sair positiva e duradouramente da crise de civilização em que vivemos. 

IHU On-Line - Como conciliar crescimento e decrescimento numa mesma sociedade?

Serge Latouche - Uma lógica de crescimento e um projecto de decrescimento são incompatíveis, mas o projecto de decrescimento visa fazer crescer a alegria de viver, restaurando a qualidade de vida (um ar mais sadio, água potável, menos stress, mais lazer, relações sociais mais ricas etc.). 

IHU On-Line - Alguns especialistas dizem que, com a crise internacional, a economia de muitos países irá desacelerar. Este processo poderá apresentar soluções concretas para o Planeta, ou, ao contrário, a desaceleração representa um processo negativo?

Serge Latouche - As duas opções são possíveis. Infelizmente, nem a crise económica e financeira nem o fim do petróleo são necessariamente o fim do capitalismo, nem mesmo da sociedade de crescimento. O decrescimento só é viável numa “sociedade de decrescimento”, isto é, no quadro de um sistema que se situa sobre outra lógica. 


A alternativa é, por conseguinte, esta: decrescimento ou barbárie! Uma economia capitalista ainda poderia funcionar com uma grande escassez dos recursos naturais, um desregramento climático, o desmoronamento da biodiversidade etc. 

É a parte de verdade dos defensores do desenvolvimento durável, do crescimento verde e do capitalismo do imaterial. As empresas (pelo menos algumas) podem continuar a crescer, a ver sua cifra de negócios aumentar, bem como seus lucros, enquanto as fomes, as pandemias, as guerras exterminariam nove décimos da humanidade. 

Os recursos, sempre mais raros, aumentariam mais que proporcionalmente de valor. A rarefacção do petróleo não prejudica, bem ao contrário, a saúde das firmas petrolíferas. Se isso não vale da mesma forma para a pesca, existem substitutos para o peixe, cujo preço não pode crescer na proporção de sua raridade. 


O consumo diminuirá em substância, enquanto seu valor continuará aumentando. O capitalismo reencontrará a lógica de suas origens, ou seja, crescer às custas da sociedade. 

IHU On-Line - Qual é a marca socio-ecológica do Planeta? Já existe um déficit ecológico? 

Serge Latouche - E como! Mais de 40%, segundo os últimos dados disponíveis. Nosso sobre-crescimento económico se furta aos limites da finitude da biosfera. A capacidade regeneradora da Terra já não consegue mais seguir a demanda: o homem transforma os recursos em lixo mais rapidamente do que a natureza consegue transformar esse lixo em novos recursos.

Se tomarmos como índice do “peso” ambiental de nosso modo de vida, sua “pegada” ecológica em superfície terrestre ou espaço bio-produtivo necessário, obtêm-se resultados insustentáveis, tanto do ponto de vista da equidade nos direitos de extracção da natureza quanto do ponto de vista da capacidade de carga da biosfera. 

O espaço disponível sobre o planeta Terra é limitado. Ele representa 51 biliões de hectares. Todavia, o espaço “bio-produtivo”, ou seja, útil para a nossa reprodução, é apenas uma fracção do total, ou seja, em torno de 12 biliões de hectares. 
 Dividido pela população mundial actual, isso dá aproximadamente 1,8 hectares por pessoa. 



Tomando em conta as necessidades de materiais e de energia, aqueles que são necessários para absorver dejectos da produção e do consumo (cada vez que queimamos um litro de gasolina, nós necessitamos de cinco metros quadrados de floresta durante um ano para absorver o CO2!) e acrescentando a isso o impacto do habitat e das infraestruturas necessárias, os pesquisadores que trabalham para o Instituto californiano “Redifining Progress” [Redefinindo o progresso] e para o World Wild Fund (WWF) calcularam que o espaço bioprodutivo consumido por pessoa da humanidade era de 2,2 hectares na média. 

Os homens já deixaram, portanto, a vereda de um modo de civilização durável que necessitaria limitar-se a 1,8 hectares, admitindo que a população actual permaneça estável. Desde já vivemos, portanto, a crédito. Além disso, este empreendimento médio oculta muito grandes disparidades. 

Um cidadão dos Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um francês 5,26, um italiano 3,8. Mesmo havendo grandes diferenças no espaço bio-produtivo disponível em cada país, estamos bem longe da igualdade planetária.  


Cada americano consome em média em torno de 90 toneladas de materiais naturais diversos, um alemão 80, um italiano 50 (ou seja, 137 kg por dia). Em outros termos, a humanidade já consome perto de 40% mais que a capacidade de regeneração da biosfera. 

Se o mundo vivesse como nós franceses, seriam necessários três planetas, e precisaríamos de seis para seguir nossos amigos americanos. Mesmo o Brasil já ultrapassa (em torno de 15%) a cifra sustentável. 

Leia mais...
Confira outras contribuições de Serge Latouche: 

Entrevistas:
* O desenvolvimento é insustentável, publicada na revista IHU On-Line número 100, de 10-05-2004, intitulada Como salvar o planeta e a humanidade? Descrescimento ou desenvolvimento sustentável?.
Publicações:
* O decrescimento como condição de uma sociedade convivial. Artigo publicado nos Cadernos IHU Ideias, no. 56.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O que é a Permacultura?

Na perspectiva "Permacultural" poluição é simplesmente energia no sitio errado.
 
Podemos definir Permacultura como "imitar a natureza, de forma a criar ecossistemas auto-suficientes e sustentáveis para humanos, animais, plantas e toda a vida em geral". Como filosofia que também pode ser, Permacultura é "Cuidar da terra, cuidar das pessoas, limitar o consumo & partilhar justamente".
 
Design em permacultura significa associar os diferentes elementos, de por exemplo uma pequena quinta agrícola, de forma a que tenham mais do que uma utilidade e que se beneficiem entre si, e a todas as formas de vida. Cada elemento de um sistema pode ser optimizado para produzir mais do que consome.
 
No que toca à horta em Permacultura, as plantas anuais perdem importância, sendo mais fomentado a instalação de perenes e florestas de alimentos, onde vários níveis de vegetação produtiva cobrem a paisagem. Árvores frutais de copa alta fornecem sombra a arbustos que por sua vez protegem plantas mais rasteiras.Trepadeiras como vinha ou maracujá utilizam as árvores para crescer e chegar à luz.
 
É um processo contínuo e uma experiência de vida. Visa criar sustentabilidade individual e colectiva, criando e recriando
ecossistemas que providenciam abrigo, comida, água, energia, e não menos importante, comunidade, criatividade e espiritualidade. 


Permacultura Portugal 

A Toca do Rebento

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ecologia e Pensamento Revolucionário


Uma das características da Ecologia é a de não estar perfeitamente contida no nome - cunhado por Haeckel, em 1866, para indicar a "investigação da totalidade das relações do animal tanto com seu ambiente inorgânico como orgânico". No entanto, concebida de maneira ampla, a Ecologia lida com o equilíbrio da natureza. Visto que a natureza inclui o homem, esta ciência trata da harmonização da natureza e do homem. Esta abordagem, mantida em todas as suas implicações, conduz às áreas do pensamento social anarquista. Em última análise, é impossível conseguir a harmonização do homem com a natureza sem criar uma comunidade que viva em equilíbrio permanente com o seu meio ambiente.

As questões com que a Ecologia lida são permanentes: não se pode ignorá-las sem pôr em risco a sobrevivência do homem e do próprio planeta. No entanto, hoje, a acção humana altera virtualmente todos os ciclos básicos da natureza e ameaça solapar a estabilidade ambiental em todo o mundo.

As sociedades modernas, como as dos Estados Unidos e Europa, organizam-se em torno de imensos cinturões urbanos, de uma agricultura altamente industrializada e controlando tudo, um inchado, burocratizado e anónimo aparelho de estado. Se colocarmos todas as considerações de ordem moral de lado e examinarmos a estrutura física desta sociedade, o que nos impressionará são os incríveis problemas logísticos que ela deve resolver: transporte, densidade, suprimentos, organização política e económica e outros.
O peso que tal tipo de sociedade urbanizada e centralizada acarreta sobre qualquer área oriental é enorme.

A noção de que o homem deve dominar a natureza vem directamente da dominação do homem pelo homem. Esta tendência, antiga de séculos, encontra seu mais exacerbado desenvolvimento no capitalismo moderno. Assim como os homens, todos os aspectos da natureza são convertidos em bens, um recurso para ser manufacturado e negociado desenfreadamente.

Do ponto de vista de Ecologia, o homem está hiper simplificando perigosamente o seu ambiente. O processo de simplificação do ambiente, levando ao aumento do seu carácter elementar - sintético sobre o natural, inorgânico sobre o orgânico - tem tanto uma dimensão física quanto cultural. A necessidade de manipular imensas populações urbanas, densamente concentradas, leva a um declínio nos padrões cívicos e sociais. Uma concepção massificadora das relações humanas tende a impôr-se sobre os conceitos mais individualizados do passado.

A mesma simplificação ocorre na agricultura moderna. O cultivo deve permitir um alto grau de mecanização - não para reduzir o trabalho estafante mas para aumentar a produtividade e maximizar os investimentos. O crescimento das plantas é controlado como em uma fábrica: preparo do solo, plantio e colheitas manipulados em escala maciça, muitas vezes inadequados à ecologia local.

Grandes áreas são cultivadas com uma única espécie - uma forma de agricultura que facilita não só a mecanização mas também a infestação das pragas. Por fim, os agentes químicos são usados para eliminar as pragas e doenças das plantas, maximizando a exploração do solo.

Este processo de simplificação continua na divisão regional do trabalho. Os complexos ecossistemas regionais de um continente são submersos pela organização de nações inteiras em entidades economicamente especializadas (fornecedoras de matéria-prima, zonas industriais, centros de comércio).

O homem está desfazendo o trabalho orgânico da evolução. Substituindo as relações ecológicas complexas, das quais todas as formas avançadas de vida dependem, por relações mais elementares, o homem está restaurando a biosfera a um estágio que só é capaz de manter formas simples de vida, e incapaz de manter o próprio homem.

Até recentemente, as tentativas de resolver contradições criadas pela urbanização, centralização, crescimento burocrático e estatização eram vistas como contrárias ao progresso e até reaccionárias. O anarquista era olhado como um visionário cheio de nostalgia de uma aldeia camponesa ou de uma comuna medieval. O desenvolvimento histórico, no entanto, tornou virtualmente sem sentido todas as objecções ao pensamento anarquista nos dias de hoje.

Os conceitos anarquistas de uma comunidade equilibrada, de uma democracia directa e interpessoal, de uma tecnologia humanística e de uma sociedade descentralizada não são apenas desejáveis, eles constituem agora as pré-condições para a sobrevivência humana. O processo de desenvolvimento social tirou-os de uma dimensão ético-subjectiva para uma dimensão objectiva.

A essência da mensagem reconstrutiva da Ecologia pode ser resumida na palavra "diversidade". Na visão ecológica, o equilíbrio e a harmonia na natureza, na sociedade e, por inferência, no comportamento, é alcançado não pela padronização mecânica, mas pelo seu oposto, a diferenciação orgânica.

Vamos considerar o princípio ecológico da diversidade no que se ele aplica à biologia e à agricultura. Alguns estudos demonstram claramente que a estabilidade é urna função da variedade e da diversidade: se o ambiente é simplificado e a variabilidade de espécies animais e vegetais diminui, as flutuações nas populações tornam-se marcantes, tendem a se descontrolar e a alcançar as proporções de uma peste.

O ambiente de um ecossistema é variado, complexo e dinâmico. As condições especiais que permitem grandes populações de uma única espécie são eventos raros. Conseguir, portanto, gerir adequadamente os ecossistemas deve ser o nosso objectivo.

Manipular com tacto o ecossistema pressupõe uma enorme descentralização da agricultura. Onde for possível, a agricultura industrial deve ceder lugar à agricultura doméstica. Sem abandonar os ganhos da agricultura em larga escala e da mecanização, deve-se, contudo, cultivar a terra como se fosse um jardim.

A descentralização é importante tanto para o desenvolvimento da agricultura quanto do agricultor. O motivo ecológico pressupõe a familiaridade do agricultor com o terreno que cultiva. Ele deve desenvolver sua sensibilidade para as possibilidades e necessidades do terreno, ao mesmo tempo que se torna parte orgânica do meio agrícola. Dificilmente poderemos alcançar este alto grau de sensibilidade e integração do agricultor sem reduzir a agricultura ao nível do indivíduo, das grandes fazendas industriais para as unidades de tamanho médio.

O mesmo raciocínio se aplica ao desenvolvimento racional dos recursos energéticos. A Revolução Industrial aumentou a quantidade de energia utilizada pelo homem, primeiro por um sistema único de energia (carvão) e mais tarde por um duplo (carvão-petróleo, ambos poluentes). No entanto, podemos aplicar os princípios ecológicos na solução do problema. Pode-se tentar restabelecer os antigos modelos regionais de uso integrado de energia baseado nos recursos locais usando um sofisticado sistema que combine a energia fornecida pelo vento, a água e o sol.

Essas alternativas em separado não podem solucionar os problemas ecológicos criados pelos combustíveis convencionais. Unidos, contudo, num padrão orgânico de energia desenvolvido a partir das potencialidades da região, elas podem satisfazer as necessidades de uma sociedade descentralizada.

Manter uma grande cidade requer imensas quantidades de carvão e petróleo. No entanto, as fontes alternativas fornecem apenas pequenas quantidades de energia para usá-las de modo efectivo, a metrópole deve ser descentralizada e dispersa. Um novo tipo de comunidade, adaptada às características e recursos da região e com todas as amenidades da civilização industrial, deve substituir os extensos cinturões urbanos actuais.

Resumindo a mensagem critica da Ecologia: a diminuição da variedade no mundo natural retira a base de sua unidade e totalidade, destruindo as forças responsáveis pelo equilíbrio e introduz uma retrogressão absoluta no desenvolvimento do mundo natural, a qual pode resultar num ambiente inadequado a formas avançadas de vida.

Resumindo a mensagem reconstrutiva: se desejamos avançar na unidade e estabilidade do mundo natural, devemos conservar e promover a variedade.

Como aplicar estes conceitos à teoria social? Tendo-se em mente o princípio da totalidade e do equilíbrio como produto da diversidade, a primeira coisa que chama a atenção é que tanto ecólogo como anarquista colocam uma ênfase muito grande sobre a espontaneidade. O ecólogo tende a rejeitar a noção de "poder sobre a natureza". O anarquista, por sua vez, fala em termos de espontaneidade social, dando liberdade à criatividade da pessoas. Ambos, ao seu modo, vêm a autoridade como inibidora, como um limitante à criatividade potencial dos meios social e natural.

Tanto o ecólogo como o anarquista vêem a diferenciação como uma medida de progresso, para ambos uma unidade sempre maior é alcançada pelo crescimento da diferenciação. Uma crescente totalidade é criada pela diversificação e aprimoramento das partes.

Assim corno o ecólogo busca ampliar um ecossistema e promover a livre interacção entre as espécies, o anarquista busca ampliar as experiências sociais e remover as restrições ao seu desenvolvimento. O anarquismo é uma sociedade harmónica que expõe o homem aos estímulos tanto da vida agrária como urbana, da actividade física e da mental, da sensualidade não reprimida e da espiritualidade auto-dirigida, da espontaneidade e da auto-disciplina etc.

Hoje, esses objectivos são vistos como excluíndo-se mutuamente devido à própria lógica da sociedade actual -- a separação da cidade e do campo, a especialização do trabalho, a atomização do homem.

Uma comunidade anarquista deverá aproximar-se de um ecossistema bem definido: será diversificada, equilibrada e harmónica. A procura da auto suficiência levará a um uso mais inteligente e amoroso do meio-ambiente, permitindo o contacto dos indivíduos com uma vasta gama de estímulos agrícolas e industriais. O engenheiro não estará separado do solo, nem o pensador do arado ou o fazendeiro da indústria.

A alternância de responsabilidades cívicas e profissionais criará uma nova matriz para o desenvolvimento individual e comunitário, evitando a hiper especialização profissional e vocacional que impediria a sociedade de alcançar seu objectivo vital: a humanização da natureza pelo técnico e a naturalização da sociedade pelo biólogo.

Nas comunidades ecológicas a vida social levará ao incremento da diversidade humana e natural, unidas em harmónica totalidade. Haverá uma colorida diferenciação dos grupos humanos e ecossistemas, cada um desenvolvendo suas potencialidades únicas e expondo os membros das comunidades a um leque de estímulos económicos, culturais e comportamentais.

A mentalidade que hoje organiza as diferenças entre o homem e outras formas de vida em esquemas hierárquicos e definições de "superioridade" e "inferioridade", dará lugar a uma visão ecológica da diversidade. As diferenças entre as pessoas não só serão respeitadas mas estimuladas.

As relações tradicionais que opõem sujeito e objecto serão alteradas qualitativamente, o "outro" será concebido como parte individual do todo que se aprimora pela complexidade. Este sentido de unidade reflectirá a harmonização dos interesses entre indivíduos e grupo, comunidade e ambiente, humanidade e natureza.

Murray Bookchin

Condensado e adaptado de "Ecology and Revolutionary Thought".
In, "Post-Scarcity Anarchism"
Revista Utopia #1