segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
quarta-feira, 30 de novembro de 2011
Gil Scott-Heron - Your Soul and Mine
Standing in the ruins of another black man's life
Or flying through the valley separating day and night
"I am death!" cried the vulture for the people of the light
Karon brought his raft from the sea that sails on souls
And saw the scavenger departing, taking warm hearts to the cold
He knew the ghetto was a haven for the meanest preacher ever known
In the wilderness of heartbreak and a desert of despair
Evil's clarion of justice shrieks a cry of naked terror
Taking babies from their mamas, leaving grief beyond compare
So if you see the vulture coming, flying circles in your mind
Remember there is no escaping for he will follow close behind
Only promise me a battle, battle for your soul and mine
And mine
domingo, 20 de novembro de 2011
terça-feira, 15 de novembro de 2011
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
sábado, 5 de novembro de 2011
MAYA SOLOVEY
|
terça-feira, 1 de novembro de 2011
Sobre 15 de Outubro e subsídios de Natal
Foi bom encontrar tantos de vós na Praça do Sertório a 15 de Outubro, em Évora. Foi incrível reconhecer tantos de vós, quase todos professores, de média e longa carreira. Vários foram meus.
Também eu estou muito triste com os cortes nos vossos subsídios de natal e verão. Tal dinheiro, que vocês iam gastar por aí, iria gerar o emprego precário, os biscates, que talvez eu conseguisse agarrar, trabalhando assim alguns meses por ano. Vou sentir a falta desse "emprego".
Mas ouvindo as vossas palavras, vendo as vossas caras de indignação, eu não deixo de olhar através dos olhos de um licenciado desempregado. Até onde irão vocês, que sacrifícios farão para mudar este "estado de coisas a que chegamos", se vocês estão tão envolvidos e integrados nesse mesmo estado de coisas... o que poderão vocês fazer para além de manifs de Sábado à tarde?
Desculpem o "vocês", não quero desintegrar o "Povo", mas entre aquele que têm emprego há mais de uma década, e o eterno desempregado/precário, existe uma diferença grande, que o vosso sistema político "democrático" tanto apoiou, entre governos PS e PSD/CDS. Eu vivo com essa diferença todos os dias.
Poderiam "vocês" ocupar a ruas à volta do Parlamento português, sem desmobilizar durante semanas, obrigando qualquer governo aí residente e cúmplices a renegociar o acordo com a "terrível" tróika", de modo a orientá-lo para a sustentabilidade de um grande numero de empregos que estão a desaparecer, para além de exigir verdadeira justiça em relação aos "culpados" nacionais (dentro dos Bancos, e nos governos do passado) pela crise actual do país, mantendo ainda alguns dos vossos privilégios de "carreira", para que possam gastar e criar a precariedade em que eu vou sobrevivendo?
Até onde estão dispostos a ir para mudar a nossa realidade? Arriscarão os vossos empregos, o sustento dos vossos filhos? Talvez, se não quiserem que o vossos filhos sejam obrigados a emigrar, como eu irei fazer, mais tarde ou mais cedo.
É preciso MAIS.
Mais da vossa parte. Mais acção, mais eficiência de acção. O quebrar dos mitos económico-políticos actuais, uma revolução da vossa mente.
A 26 de Novembro encontrar-nos-emos novamente nessa mesma praça. E pedir-vos-ei uma resposta.
Até breve...
domingo, 30 de outubro de 2011
PAUS
Isto dos PAUS....
....
Não há razões, não há conceitos, não há paciência para
bios.....
Tocamos juntos porque gostamos uns dos outros e
precisamos de fazer música. PAUS é o resultado de quando nos juntamos os quarto
com instrumentos e uma cervejas.....
....
Mas pronto, só para que saiba.....
....
Há pouco menos que um ano atrás, tocamos pela primeira
vez juntos na avenida. Queríamos que o nosso primeiro
ensaio de sempre fosse assistido. Quase como um princípio testemunhado, um começo
para a história partilhado com mais pessoas do que apenas nós quatro.....
....
A ideia na verdade começou de uma conversa que tivemos
sobre a possibilidade ou interesse de tocarmos com duas baterias pegadas pelo
mesmo bombo - e assim nasceu a ideia da bateria siamesa. Depois do primeiro
ensaio, que tal como qualquer primeiro ensaio, não foi nada de especial mas deu
para perceber que o potencial polirítmico do instrumento e a química que
existia entre nós os quatro,( o hélio e o quim na bateria, o makoto no baixo e
o shela nos teclados e todos a tentar cantar) era qualquer coisa de nova e
desafiante. Mas a cada ensaio ou gravação percebemos que ainda há muita coisa
para explorar. ....
....
Outra coisa que decidimos, simplesmente porque nos podíamos
dar a esse luxo e porque não nos apetecia aborrecer no estúdio, foi
atrevermo-nos a irmos com as músicas o mais abertas possíveis para a gravação.
Objectivamente isto quer dizer que o que levamos para gravar são ritmos e fills
de bateria e depois reagimos a isso. É sempre uma surpresa, há um oportunidade
sempre presente de falharmos e isso é o que nas dá a tusa para fazermos as músicas
assim. Acho que essa tensão se sente no resultado final. Compor enquanto se
grava é uma novidade para nós e faz todo o sentido para um grupo de pessoas que
se aborrece com demasiada facilidade.....
....
Pronto. Isto é PAUS.....
Beijinhos....
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Poema dum Funcionário Cansado
A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só
António Ramos Rosa
domingo, 2 de outubro de 2011
é só tirar e levar
Na minha descida ao querido
jardim do século XIX, verde jóia no seco verão alentejano, sofro com a
perspectiva de ter apenas o “correio da manhã” como leitura para acompanhar o
meu “descafé”. Homicídios, violações, crise não combinam com um “Nicola” e um saquinho
de refinado açúcar. E voltar atrás, com este calor…
Mas o meu caminho passa pela
“casa da cultura”, e logo, pela biblioteca municipal. Perfeito, lá encontrarei
a companhia certa para ler.
Chegado à biblioteca, porta
aberta, ar condicionado ligado, mas ninguém para me atender. Devem chegar a
seguir, pensei eu enquanto me dirigia para a secção de literatura inglesa.
Para minha surpresa, autores
norte-americanos, ingleses, bem como germânicos, estavam profundamente
misturados, como uma louca orgia de ecstasy e verão, levando-me a perguntar o
porquê da rotulagem das diferentes
nacionalidades de origem.
Deve ser uma questão de
literatura anglo-saxónica, onde nem a ordem alfabética é respeitada, como se a
pseudo-organização da biblioteca fosse a ruína de um distante passado.
Nisto passaram 20 minutos, eu
sozinho numa abandonada biblioteca… quem é que rouba livros não é verdade?
Ainda se fosse cobre…
Para ajudar toda esta fantástica
situação, encontrei a “Instrução dos Amantes”
de Inês Pedrosa em literatura
germânica. Como nunca li, se calhar até é verdade, literatura germânica escrita
por uma autora portuguesa quiçá.
Alguém entra, e logo sobe umas
escadas laterais à biblioteca, frustrando as minhas expectativas de alguma
atenção e cuidado. Mais de meia hora passou, e a minha paciência esgotou, pelo
que peguei num livro de Annaís Nin, “ Debaixo de uma Redoma”, que nem é das
minhas autoras favoritas, e saí calmamente, passando por funcionários e
cidadãos, a caminho do meu jardim. Depois devolvo claro.
…e antes do café ser servido,
comecei a ver toda a minha recente aventura como uma distópica metáfora.
Portugal, o “meu” país, espelhado
perfeitamente numa biblioteca do interior.
É só tirar e levar.
(e não me refiro ao cobre)
Manifesto Mulheres Brasileiras
Vimos por meio deste, manifestar nosso repúdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal e exigir que providências sejam tomadas por parte das autoridades competentes.
Concretamente, apontamos a comunicação social portuguesa e a forma como, insistentemente, tem construído e reproduzido o estigma de hipersexualidade das mulheres brasileiras. Este estigma é uma violência simbólica e transforma-se em violência física, psicológica, moral e sexual. Diversos trabalhos de investigação, bem como o trabalho de diversas organizações da sociedade civil, têm demonstrado como as mulheres brasileiras são constantemente vítimas de diversos tipos de violência em Portugal.
O estigma da hipersexualidade remonta aos imaginários coloniais que construíam as mulheres das colônias como objetos sexuais, escravas sexuais, e marcadas por uma sexualidade exótica e bizarra. Cita-se, por exemplo, a triste experiência da sul-africana Saartjie Baartman, exposta na Europa, no século XIX, como símbolo de uma sexualidade anormal. Em Portugal, esses imaginários coloniais, infelizmente, ainda são reproduzidos pela comunicação social.
Teríamos muitos exemplos a citar, mas focaremos no mais recente, o qual motivou um grupo de em torno de 140 mulheres e homens, de diferentes nacionalidades, a mobilizarem-se, a partir das redes sociais, para escrever este manifesto e conseguir apoio de diferentes organizações da sociedade civil. Trata-se da personagem “Gina”, do Programa de Animação “Café Central” da RTP (Rádio Televisão Portuguesa). A personagem é a única mulher do programa, a qual, devido ao forte sotaque brasileiro, quer representar a mulher brasileira imigrante em Portugal. A personagem é retratada como prostituta e maníaca sexual, alvo dos personagens masculinos do programa. Trata-se de um desrespeito às mulheres brasileiras, que pode ser considerado racismo, pois inferioriza, essencializa e estigmatiza essas mulheres por supostas características fenotípicas, comportamentais e culturais comuns. Trata-se de um desrespeito a todas as mulheres, pois ironiza/escarnece sua sexualidade, sua possibilidade de exercer uma sexualidade livre, o que pode ser considerado machismo e sexismo. Trata-se, ainda, de um desrespeito às profissionais do sexo, pois ironiza o seu trabalho, transformando-o em símbolo de deboche/piada/anedota, sendo que não é um trabalho criminalizado em Portugal, portanto, é um direito exercê-lo livre de estigmas. No anexo 1 desta carta estão: o vídeo de um dos episódios (na versão on-line), e a transcrição de um dos episódios, bem como, a imagem dos personagens (na versão impressa). Destacamos que o fato é agravado por se tratar de uma emissora pública, a qual em hipótese alguma deveria difundir valores que ferem o direito das mulheres e da dignidade humana.
Além deste caso que envolve a televisão, existem muitos outros em revistas, jornais e publicidades, que exemplificam a disseminação do estigma em vários meios de comunicação de massa e cujos exemplos seguem em anexo. Seja qual for o meio de comunicação utilizado, é constante a representação estereotipada da mulher brasileira como objeto sexual, o que acaba por interferir na forma como as imigrantes brasileiras são percebidas e tratadas dentro da sociedade portuguesa.
-Anexo 2: a capa da Revista Focos, edição 565/2010, a qual apresenta as mulheres brasileiras como sedutoras e as representa com uma imagem cujo destaque é a bunda;
-Anexo 3: a reportagem do Diário de Notícias, edição do dia 26/06/2011, sobre o movimento SlutWalk Lisboa, a qual descontextualizou uma imagem, acabando por reforçar os estigmas contra a mulher brasileira, fazendo exatamente o contrário do objetivo do movimento;
-Anexo 4: publicidade do Ginásio Holmes Place- Health Club, atual, sobre uma modalidade de aulas intitulada “Made in Brazil”, a qual é representada por uma imagem cujo destaque é a bunda;
-Anexo 5: publicidade da Agência de Viagens Abreu, na Revista B de Brasil, edição inverno de 2001, cuja a imagem do Brasil é uma mulher e a mensagem da publicidade é uma referência direta aos descobrimentos e a disponibilidade, aos portugueses, do que havia e há no Brasil.
-Anexo 6: episódio do programa de humor "Mini-Malucos do Riso", da SIC, no qual afirmam que no Brasil só há prostitutas e futebolistas.
Exigimos, das autoridades competentes, que se faça cumprir a “CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres”, da qual tanto Portugal, como o Brasil, são signatários. Destacamos, também, o “Memorando de Entendimento entre Brasil e Portugal para a Promoção da Igualdade de Gênero”, no qual consta que estes países estão "Resolvidos a conjugar esforços para avançar na implementação das medidas necessárias para a eliminação da discriminação contra a mulher em ambos os países".
sábado, 1 de outubro de 2011
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
quarta-feira, 24 de agosto de 2011
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
O jardim de caminhos que se bifurcam, de Jorge Luís Borges, 1941
(a Victoria Ocampo)
Na pagina 22 da Historia
da Guerra Européia, de Liddell Hart, lê-se que uma ofensiva de treze divisões
britânicas (apoiadas por mil e quatrocentas peças de artilharia) contra a linha
de Serre-Moutauban tinha sido planejada para o dia vinte e quatro de Julho de
1916 e teve que ser adiada até a manhã do dia vinte e nove. As chuvas
torrenciais (anota o Cap. Liddell Hart) provocaram essa delonga – nada
significativo, por certo. A seguinte declaração, ditada, relida e assinada pelo
Dr. Yu Tusun, antigo catedrático de inglês na Hochschule de Tsingatao, projecta
uma insuspeitada luz sobre o caso. Faltam as duas páginas iniciais.
“… e pendurei o fone.
Imediatamente após, reconheci a voz que havia respondido em alemão. Era a do
Cap. Richard Madden. Madden no apartamento de Viktor Runeberg, significava o
fim de nossos afãs e – mas isso parecia muito secundário, ou devia parecer-me –
também de nossas vidas. Queria dizer que Runenberg tinha sido detido, ou
assassinado?* Antes que o sol desse dia declinasse, eu sofreria
a mesma sorte. Madden era implacável . Ou melhor, estava obrigado a ser
implacável. Irlandês às ordens da Inglaterra, homem acusado de tibieza e talvez
de traição, como não abraçar e agradecer esse milagroso favor: a descoberta, a
captura, quem sabe a morte, de dois agentes do Império Alemão? Subi ao meu
quarto; absurdamente fechei a porta a chave e atirei-me de costas na estreita
cama de ferro. Na janela mostravam-se os telhados de sempre e o sol nublado das
seis. Pareceu-me incrível que esse dia sem premonições ou símbolos fosse o de
minha morte implacável. Apesar de meu pai haver morrido, apesar de ter sido um
menino num simétrico jardim de Hai Feng, eu, agora, ia morrer? Depois refleti
que todas as coisas nos acontecem precisamente, precisamente agora. Século de
século e apenas no presente ocorrem os fatos; inumeráveis homens no ar, na
terra e mar, e tudo o que realmente sucede; sucede a mim… A quase intolerável
lembrança do rosto acavalado de Madden aboliu essas divagações. Em meio ao meu
ódio e meu terror (no momento não me importa falar de terror: agora que enganei
Richard Madden, agora que minha garganta anseia pela corda) pensei que esse
guerreiro tumultuoso e sem dúvida feliz não suspeitava que eu possuísse o
Segredo. O nome do exato lugar do novo parque britânico e
artilharia sobre o Ancre. Um pássaro riscou o céu cinza e cegamente tomei-o por
um aeroplano e a esse aeroplano por muitos (no céu francês) aniquilando o
parque de artilharia com bombas verticais. Se minha boca; antes que a
desfizesse um balanço, pudesse gritar esse nome de modo que o escutassem na
Alemanha… Minha voz era muito fraca. Como fazê-la chegar ao ouvido do Chefe?
Ao ouvido daquele homem doente e odioso, que nada sabia de Runeberg e de
mim a não ser que estávamos em Staffordshire e inutilmente esperava noticias
nossas em seu árido escritório de Berlim, examinando infinitamente jornais…
Disse em voz alta: Devo fugir. Incorporei-me sem barulho, numa oca perfeição de
silencio, como se Madden já estivesse espreitando. Algo – talvez a mera
ostentação de provar que meus recursos eram nulos – fez me revistar meus
bolsos. Encontrei o que sabia que ia encontrar. O relógio norte-americano, a
corrente de níquel e a moeda quadrangular, o chaveiro com as comprometedoras
chaves inúteis do apartamento de Runeberg, a caderneta, uma carta que resolvi
destruir imediatamente (e que não destruí), uma coroa, dois xelins e uns
pennies, o lápis vermelho-azul, o lenço, o revólver com uma bala. Absurdamente
o empunhei e sopesei para dar-me coragem. Pensei vagamente que um tiro de
pistola pode ser ouvido bem longe. Em dez minutos meu plano estava maduro. O
guia telefónico forneceu-me o nome da única pessoa capaz de transmitir a
noticia: vivia num subúrbio de Fenton, a menos de meia hora de trem.
Sou um homem covarde.
Agora o digo, agora que levei a termo um plano que ninguém deixará de
qualificar de arriscado. Sei que foi terrível sua execução. Não o fiz pela
Alemanha, não. Pouco me importa um país bárbaro, que me obrigou à abjecção de
ser um espião. Ademais, eu sei de um homem da Inglaterra – homem modesto
– que para mim não representa menos que Goethe. Não falei com ele mais de uma
hora, mas durante uma hora foi Goethe… Eu fiz isso, porque sentia que o Chefe
temia um pouco aos de minha raça – aos inumeráveis antepassados que em mim
confluem. Eu queria provar-lhe que um amarelo podia salvar exércitos. De resto,
devia fugir do capitão. Suas mãos e sua voz podiam bater-me à porta a qualquer
momento. Vesti-me sem ruído, disse-me adeus no espelho, desci, esquadrinhei a
rua tranquila e sai. A estação não ficava longe de casa, mas achei
preferível tomar um carro. Argui que assim corria menos perigo de ser
reconhecido; o fato é que na rua deserta eu me sentia visível e vulnerável,
infinitamente. Lembro-me de ter dito ao chofer que se detivesse um pouco antes
da entrada central. Desci com lentidão voluntária e quase penosa; ia à aldeia
de Ashgrove, mas retirei uma passagem para uma estação mais longe. O trem saia
dentro de pouquíssimo minutos, às oito e cinquenta. Apressei-me; o próximo
partia às nove e meia. Não havia quase ninguém na plataforma. Percorri os
vagões: recordo uns lavradores, uma mulher de luto, um jovem que lia fervoroso
os Anais de Tácito, um soldado ferido e feliz. Os vagões, por fim, arrancaram.
Um homem que reconheci correu em vão até o limite da plataforma. Era o Cap
Richard Madden. Aniquiliado, trêmulo, , encolhi-me noutra ponta do assento,
longe da temida janela.
Dessa aniquilação passei
a uma felicidade quase abjecta. Disse-me que já estava empenhada minha luta e
que ganhara o primeiro assalto, ao iludir, ainda que por quarenta minutos,
ainda que por favor da sorte, o ataque de meu adversário. Argui que essa
vitória mínima prefigurava a vitória total. Argui que não era mínima, já que
sem essa diferença preciosa que o horário dos trens me oferecia, eu estaria no
cárcere ou morto. Argui (não menos sofisticadamente) que minha felicidade
covarde provava que eu era homem capaz de levar a bom termo a aventura. Dessa
fraqueza tirei forças que não me abandonaram. Prevejo que o homem se resignará
diariamente a empresas mais atrozes; breve só haverá guerreiros e bandoleiros,
dou-lhes este conselho: O executor de uma empresa atroz deve imaginar que já a
cumpriu, deve impor-se um futuro que seja irrevogável com o passado.
Assim procedi, enquanto meus olhos de homem já morto registravam o fluir
daquele dia que era talvez o último, e a difusão da noite. O trem corria como
doçura, entre freixos. Deteve-se, quase ao meio do campo. Ninguém gritou
o nome da estação. Ashgrove? – perguntei a uns meninos na plataforma. Ashgrove,
responderam. Desci.
Uma lâmpada aclarava a
plataforma, mas o rostos dos meninos ficavam na zona da sombra. Um me
perguntou: O senhor vai à casa do Dr. Stephen Albert? Sem aguardar resposta,
outro disse: A casa fica longe daqui, mas o senhor não se perderá se tomar esse
caminho à esquerda e se em cada encruzilhada do caminho dobrar à
esquerda. Atirei-lhes uma moeda (a última), desci uns degraus de pedra e
entrei no solitário caminho. Este, lentamente, descia. Era de terra elementar,
confundiam-se no alto os ramos, a lua baixa e circular parecia acompanhar-me.
Por um instante, pensei
que Richard Madden havia de algum modo penetrado em minhas desesperadas
intenções. Logo compreendi que isso era impossível. O conselho de sempre dobrar
à esquerda lembrou-se que tal era o procedimento comum para descobrir o pátio
central de certos labirintos. Entendo alguma coisa de labirintos: não é em vão
que sou bisneto daquele Ts’ui Pen, que foi governador de Yunnan e que renunciou
ao poder temporal para escrever um romance que fosse ainda mais populoso que o
Hung Lu Meng e para edificar um labirinto em que todos os homens se perdessem.
Treze anos dedicou a esses heterogêneos trabalhos, porém a mão de um forasteiro
o assassinou e seu romance era insensato e ninguém encontrou o labirinto. Sob
árvores inglesas meditei nesse labirinto perdido: imaginei-o inviolado e
perfeito no cume secreto de uma montanha, imaginei-o disfarçado por arrozais ou
debaixo d’água, imaginei-o infinito, não já de quiosques oitavados e de
caminhos que voltam, mas sim de rios e províncias e reinos… Pensei num
labirinto de labirintos, num sinuoso labirinto crescente que abarcasse o
passado e o futuro e que envolvesse, de algum modo, os astros. Absorto nessas
imagens ilusórias, esqueci meu destino de perseguido. Senti-me, por um tempo
indeterminado, conhecedor abstracto do mundo. O vago e vivo campo, a lua, os
restos da tarde, agiram sobre mim; também o declive que eliminava qualquer
possibilidade de cansaço. A tarde era íntima, infinita. O caminho descia e se
bifurcava, entre várzeas indistintas. Uma música aguda e como que silábica
aproximava-se e afastava-se no vaivém do vento, turvada de folhas e de
distância. Pensei que um homem pode ser inimigo de outros homens, de outros
momentos de outros homens, mas não de um país: não de vaga-lumes, palavras,
jardins, cursos de água, poentes. Cheguei, assim, a um alto portão enferrujado.
Entre as grades de ferro decifrei uma alameda e uma espécie de pavilhão.
Compreendi, logo. Duas coisas, a primeira trivial, a segunda quase incrível: a
música vinda do pavilhão, a música era chinesa. Por isso eu a aceitara com
plenitude, sem prestar-lhe atenção. Não recordo se havia uma sineta ou uma campainha
ou se chamei batendo palmas. A contínua vibração da música prosseguiu.
Mas do fundo da
aconchegante casa uma lanterna se aproximava: uma lanterna que os troncos
riscavam e por instantes anulavam, uma lanterna de papel, que tinha a
forma dos tambores e a cor da lua. Um homem alto a trazia. Não vi seu rosto,
porque a luz me cegava. Abriu o portão e disse lentamente no meu idioma:
_ Vejo que o piedoso Hsi
P’eng se empenha em corrigir minha solidão. O senhor sem dúvida desejará ver o
jardim?
Reconheci o nome de um
de nossos cônsules e repeti desconcertado:
_ O jardim?
_ O jardim de caminhos
que se bifurcam.
Alguma coisa se agitou
em minha lembrança e pronunciei com incompreensível segurança:
_ O jardim de meu
antepassado Ts’uui Pen.
_ Seu antepassado? Seu
ilustre antepassado? Avante.
O húmido caminho
ziguezagueava como os de minha infância. Chegamos a uma biblioteca de livros
orientais e ocidentais. Reconheci, encadernados em seda amarela, alguns volumes
manuscritos da Enciclopédia Perdida que o Terceiro Imperador da Dinastia Luminosa
orientou e que nunca foi publicada. O disco do gramofone girava junto a um Fénix
de bronze. Lembro-me também de um jarrão rosa da família e outro, anterior de
muitos séculos, dessa cor azul que nossos artífices copiaram dos oleiros da
Pérsia…
Stephen Albert
observava-me, sorridente. Era (já o disse) muito alto, de feições afiladas, de
olhos cinzentos e barba cinzenta. algo de sacerdote havia nele e também de
marítimo; depois me referiu que fora missionário em Tientsin ‘antes de aspirar
a sinólogo.
Sentamo-nos; eu num
comprido e baixo divã; ele de costas à janela e a um alto relógio circular.
Calculei que meu perseguidor Richard Madden, antes de uma hora não chegaria. Minha
determinação irrevogável podia esperar.
_Assombroso destino o de
Ts’ui Pen – disse Stephen albert. – Governador de sua província natal, douto em
astronomia, em astrologia e na interpretação infatigável dos livros canônicos,
enxadrista, famoso poeta e calígrafo: abandonou tudo para compor um livro e um
labirinto. Renunciou aos prazeres da opressão, da justiça, do numeroso leito,
dos banquetes e ainda da erudição e enclausurou-se durante treze anos no
Pavilhão Límpida Solidão. Ao morrer, os herdeiros só encontraram manuscritos
caóticos. A família, como talvez o senhor não ignore, quis adjudicá-los ao
fogo; mas seu testamenteiro – um monge taoísta ou budista – insistiu na
publicação.
_ Os do sangue de Ts’sui
Pen – respondi – continuamos execrando a esse monge. Essa publicação foi
insensata. O livro é um acervo indeciso de apontamentos contraditórios.
Examinei-o certa vez: no terceiro capítulo morre o herói, no quarto está vivo.
Quanto à outra empresa de Ts’ui Pen, ao seu Labirinto…
_ Aqui está o Labirinto
– disse indicando-me uma alta escrivaninha laqueada.
_ Um labirinto de
marfim! – exclamei. – Um labirinto mínimo…
_ Um labirinto de
símbolos – corrigiu. – Um invisível labirinto de tempo. A mim, bárbaro inglês,
foi-me dado revelar esse diáfano mistério. Ao fim de mais de cem anos, os
pormenores são irrecuperáveis, mas não é difícil conjecturar o que
sucedeu. Ts’sui Pen teria dito uma vez: Retiro-me para escrever um livro.
E outra: Retiro-me para construir um labirinto. Todos imaginaram duas obras;
ninguém pensou que livro e labirinto eram um só objecto. O Pavilhão da Límpida
Solidão erguia-se no centro de um jardim talvez intrincado; essa circunstância
pode ter sugerido aos homens um labirinto físico. Ts’sui Pen morreu; ninguém,
nas dilatadas terras que foram suas, achou o labirinto. Duas situações
trouxeram-se a exacta solução do problema. Uma: a curiosa lenda de que Ts’suiu
Pen se propusera um labirinto que fosse estritamente infinito. Outra: um
fragmento de uma carta que descobri.
Albert levantou-se.
Volveu-me, por uns instantes, as costas; abriu a gaveta da áurea e enegrecida
escrivaninha. Voltou com um papel antes carmesim; agora rosado e ténue e
quadriculado. Era justo o renome caligráfico de Ts’sui Pen. Li com
incompreensão e fervor estas palavras que com minucioso pincel redigira um
homem de meu sangue: Deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim de
caminhos que se bifurcam. Devolvi em silêncio a folha. Albert continuou:
_ Antes de exumar esta
carta, eu tinha me perguntado de que maneira um livro pode ser infinito. Não conjecturei
outro processo que o de um volume cíclico, circular. Um volume cuja última
página fosse idêntica à primeira, com possibilidade de continuar
indefinidamente. Recordei também aquela noite que está no centro das Mil e Uma
Noites, quando a Rainha Scheherazade (por uma mágica distracção do copista)
põe-se a referi textualmente a história das ’1001 Noites’, com risco de chegar
outra vez à noite na qual está fazendo o relato, e assim até o infinito.
Imaginei também uma obra platónica, hereditária, transmitida de pai para filho,
na qual cada novo indivíduo aditasse um capítulo ou corrigisse com piedoso
cuidado a página dos antepassados. Essas conjecturas distraíram-me; mas
nenhuma parecia corresponder, ainda que de um modo distante, aos contraditórios
capítulos de Ts’sui Pen. Nessa perplexidade, remeteram-me de Oxford o
manuscrito que o senhor examinou. Detive-me, como é natural, na frase: Deixo
aos vários futuros (não a todos) meu jardim de caminhos que se bifurcam. Quase
de imediato compreendi: o jardim de caminhos que se bifurcam era o romance
caótico; a frase “vários futuros (não a todos)” sugeriu-me a imagem da
bifurcação no tempo, não no espaço. A releitura geral da obra confirmou essa
teoria. Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas
alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável Ts’sui
Pen, opta – simultaneamente – por todas. Cria, assim, diversos futuros,
diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do
romance. Fang, digamos, tem um segredo; um desconhecido chama à sua porta; Fang
pode matar o intruso, o intruso pode matar Fang, ambos podem salvar-se, ambos
podem morrer, etc. Na obra de Ts’sui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é
o ponto de partida de outras bifurcações. Às vezes, os caminhos desse labirinto
convergem: por exemplo, o senhor chega a esta casa, mas num dos passados
possíveis o senhor é meu inimigo, em outro meu amigo. Se o senhor se resignar à
minha pronúncia incurável, leremos algumas páginas.
Seu rosto, no vívido
círculo da lâmpada, era sem dúvida o de um ancião, mas com algo inquebrável e
ainda imortal. Leu com lenta precisão duas versões de um mesmo capítulo épico.
Na primeira, um exército marcha para uma batalha através de uma montanha
deserta; o horror das pedras e da sombra leva-o a menosprezar a vida e consegue
facilmente a vitória; na segunda, o mesmo exército atravessa um palácio onde há
uma festa; resplandecente batalha se lhe afigura uma continuação da festa e
obtém a vitória. Eu escutava com apropriada veneração essas velhas
ficções, talvez menos admiráveis que o fato de terem sido ideadas pelo meu
sangue e que um homem de um império remoto as restituísse a mim, no curso de
uma desesperada aventura, numa ilha ocidental. Lembro-me das palavras finais,
repetidas em cada versão como um mandamento secreto: Assim como combateram os
heróis, tranquilo o admirável coração, violenta a espada, resignados a matar e
morrer.
A partir desse instante,
senti ao meu redor e no meu pobre corpo uma invisível, intangível pululação.
Não a pululação dos divergentes, paralelos e finalmente coalescentes exércitos,
porém uma agitação mais inacessível, mais íntima e que eles de certo modo
prefiguravam. Stephen Albert continuou:
_ Não acredito que seu
ilustre antepassado brincasse ociosamente com as variações. Não julgo verosímil
que sacrificasse treze anos à infinita execução de um experimento retórico. Em
seu país, o romance é um género subalterno; naquele tempo era um género
desprezível. Ts´sui Pen foi um romancista genial, mas também foi um homem de
letras que sem dúvida não se considerou um simples romancista. O testemunho de
seus contemporâneos proclama – e fartamente o confirma sua vida – suas
inclinações metafísicas, místicas. A controvérsia filosófica usurpa boa parte
do romance. Sei que de todos os problemas, nenhum o inquietou e ocupou como o
abismal problema do tempo. Pois bem, esse é o único problema que não figura nas
páginas do jardim. Nem sequer emprega a palavra que significa tempo. Como
explica o senhor essa voluntária omissão?
Propus várias soluções:
todas, insuficientes. Discutimo-las; por fim, Stephen Albert disse-me:
_ Numa charada cujo tema
é o xadrez, qual seria a única palavra proibida? – Pensei um momento e
repliquei:
_ A palavra xadrez.
_ Exactamente – falou
Albert. _ O jardim de caminhos que se bifurcam é uma enorme charada, ou
parábola, cujo tema é o tempo; essa causa recôndita proíbe-lhe a menção desse
nome. Omitir sempre uma palavra, recorrer a metáforas ineptas e a perífrases
evidentes, é quiçá o modo mais enfático de indicá-la. É o modo tortuoso que
preferiu, em cada um dos meandros de seu infatigável romance, o oblíquo Ts´sui
Pen. Confrontei centenas de manuscritos, corrigi erros que a negligência dos
copistas introduziu, conjecturei o plano desse caos, restabeleci, acreditei
restabelecer, a ordem primordial, traduzi a obra toda: consta-me que não usa
uma só vez a palavra tempo. A explicação é óbvia: O jardim de caminhos que se
bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como o
concebia Ts´sui Pen. Diferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu
antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em
infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos
divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam,
se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as
possibilidades. Não existimos na maioria desses tempos; nalguns existe o senhor
e não eu. Noutros, eu, não o senhor; noutros, os dois. Neste, que um acaso
favorável me surpreende, o senhor chegou a minha casa; noutro, o senhor ao
atravessar o jardim, encontrou-me morto; noutro, digo estas mesmas palavras,
mas sou um erro, um fantasma.
_ Em todos – articulei
com um certo temor – agradeço e venero sua recriação do jardim de Ts´ui Pen.
_ Não em todos _
murmurou com um sorriso. _ O tempo se bifurca perpetuamente para inumeráveis
futuros. Num deles sou seu inimigo.
Voltei a sentir aquela
pululação de que falei. Pareceu-me que o húmido jardim que rodeava a casa
estava saturado até o infinito de pessoas invisíveis. Essas pessoas eram Albert
e eu, secretos, atarefados e multiformes em outras dimensões de tempo. Alcei os
olhos e o ténue pesadelo se dissipou. No amarelo e negro jardim havia um só
homem; mas esse homem era forte como uma estátua, mas esse homem avançava pelo
caminho e era o Cap. Richard Madden.
_ O futuro já existe –
respondi _ mas eu sou seu amigo. Posso examinar de novo a carta?
Albert levantou-se.
Alto, abriu a gávea da alta escrivaninha; deu-me por um momento as costas. Eu
havia preparado o revólver. Disparei com o maior cuidado: Albert se desaprumou,
sem uma queixa, imediatamente. Juro que sua morte foi instantânea: uma
fulminação.
O resto é irreal,
insignificante. Madden irrompeu, prendeu-me. Fui condenado à forca. Abominavelmente
venci: comuniquei a Berlim o nome secreto da cidade que deviam atacar. Ontem a
bombardearam; li a notícia nos mesmos jornais em que apresentaram à Inglaterra
o enigma do sábio sinólogo Stephen Albert, que morrera assassinado por um
desconhecido, Yu Tsun. O chefe decifrou esse enigma. Sabe que meu problema era
indicar (através dos estrépito da guerra) a cidade que se chama Albert e que
não achei outro meio a não ser matar uma pessoa com esse nome. Não sabe
(ninguém pode saber) minha imensa contrição e cansaço.
* Hipótese odiosa e
ridícula. O espião prussiano Hans Rabener, alias Viktor Runeberg, agrediu
com uma pistola automática o portador da ordem de prisão, Cap. Richard Madden.
Este, em defesa própria, causou-lhe ferimentos que determinaram sua morte (Nota
do Editor).
domingo, 14 de agosto de 2011
domingo, 7 de agosto de 2011
you feed me to the lions
Agora que, sobre terras lusas, todas as pragas do Egipto e do euro caíram, que as paredes da casa não tremem apenas, mas começam visivelmente a ceder, agora eu pergunto-me…
Onde estão todas as mulheres que amei? Para onde fugiram os últimos 5 anos da minha vida?
Perdoai-me companheiros se meu peito dilacerado perturba o psicodrama da finança global… afinal é um facto televisivamente comprovado… o fim do mundo está aí… lisboa, bem como as outras capitais, será destruída por um maremoto de cartões de crédito.
Os pólos vão mudar, atlântida ressurgirá lá pelos arredores da ilha de São Miguel, e o tgV vai para os peixinhos.
milhões morrerão, milhões nascerão, e enquanto o mundo se quebra e queima, milhões de desempregados abrirão o jornal para descobrirem a nova contratação do benfica.
num mundo de reacção, onde está a revolução? Onde encontro a dignidade do escravo, a consciência do oprimido?
onde estão todos os meus crimes favoritos contra a Desumanidade?
e onde está a mulher que me dava a força para suportar todo este triste teatro?
letra
sábado, 23 de julho de 2011
quinta-feira, 21 de julho de 2011
Para te Perder
Parece-me óbvio que te amei apenas para te perder.
Como parte do crescimento de um homem, que perdeu os dentes de leite, para morder o mundo com outra força.
Ou como a cobra que perde a pele, lá de estações em estações.
Mas não foi a pele que perdi. Foi antes o peito. O núcleo do meu peito.
Esse peito que é agora uma caverna escura, oca. Onde as memórias ganham um outro eco.
Imenso e doloroso.
sexta-feira, 15 de julho de 2011
sexta-feira, 8 de julho de 2011
Palavras de Tatanka
"Olhem, meus irmãos, a primavera chegou, a terra recebeu os beijos do sol e cedo vermos os frutos deste amor. Cada semente despertou, e da mesma forma, todos os animais estão cheios de vida.É a este poder misterioso que devemos também nós a nossa existência. É por isso que concedemos aos nossos vizinhos, mesmo aos nossos vizinhos animais, o mesmo direito de habitar esta terra que nós.No entanto, escutem-me, meus irmãos, devemos agora contar com uma outra raça, que era pequena e fraca quando os nossos pais a encontraram pela primeira vez, mas que hoje se tornou tirânica.
Muito estranhamente, têm no seu espírito a vontade de cultivar o solo, e o amor de possuir é neles uma doença. Esse povo fez leis que os ricos podem quebrar mas os pobres não. Eles fixam taxas aos pobres e fracos para manter os ricos que governam. Eles reinvidicam-nos a nossa mãe, a terra, apenas para si e se entrincheiram-se contra os seus vizinhos. Desfiguram a terra com as suas construções e os seus entulhos.Esta nação é como a torrente de neve derretida que, quando sai do seu leito, destrói tudo à sua passagem."
Tatanka Yotanka, grande chefe Sioux
terça-feira, 5 de julho de 2011
Impossível é não viver
O texto que se segue é o contributo do escritor José Luís Peixoto para o MayDay Lisboa.
Agradecemos o seu apoio.
Vemo-nos na rua contra a precariedade!
Agradecemos o seu apoio.
Vemo-nos na rua contra a precariedade!
Se te quiserem convencer que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.
Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.
Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.
O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.
Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.
Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.
Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.
O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.
Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.
José Luís Peixoto
sábado, 2 de julho de 2011
O exemplo de Aivados
A aldeia de Aivados, com 150 habitantes, situada a 13 quilómetros da sede do concelho, Castro Verde, é única no Baixo Alentejo: é uma aldeia comunitária, desde o século XVI, possuindo, além de um “governo”, com o seu próprio regulamento interno, 400 hectares, um rebanho comunitário, vários prédios urbanos e alfaias agrícolas.
Quem é natural ou reside há mais de um ano na pequena comunidade dos Aivados não precisa de se preocupar em arranjar dinheiro para comprar um terreno para construir casa própria: por “lei”, em efectividade desde, pelo menos 1562, tem direito a esse terreno gratuitamente, só o pagando à comunidade se, entretanto, decidir vender a casa. Mais: como cidadão de pleno direito da comunidade, tem também direito a uma parcela de terreno nos “ferrageais” junto à aldeia, onde poderá fazer uma horta, criar galinhas ou outros animais, desde que não criem problemas ambientais aos restantes habitantes. Mais ainda: na véspera de Natal, para reforçar a ceia e poder comprar mais uma ou outra peça de roupa para suportar o Inverno, receberá uma verba em dinheiro, uma percentagem dos lucros obtidos pela comunidade na exploração dos terrenos mais desviados da aldeia, a que chamam as “folhas”.
Aivados é uma aldeia única no Baixo Alentejo. No entanto, a sua história, que remonta ao século XVI, é pouco conhecida, inclusive a nível regional, talvez por só existirem publicados e pouco divulgados dois trabalhos com profundidade sobre a aldeia: um jornalístico, publicado no “Diário doAlentejo”, em Setembro de 1982; outro na área da antropologia, um trabalho de mestrado, realizado em 1997.
Não se sabe ao certo em que ano e quem doou aos moradores os 400 hectares que cercam a aldeia de Aivados. Terrenos que, ao longo da história, têm sido cobiçados por muitas entidades públicas e privadas e sido alvo de várias tentativas de usurpação. No entanto, através de processos judiciais, um dos quais demorou 93 anos a ser resolvido, os moradores sempre conseguiram preservar o seu património.
Diz a tradição oral que os Aivados sempre foram “governados” por uma comissão, eleita por todo o povo, composta por vários cidadãos. É de 31 de Janeiro de 1934 a acta escrita mais antiga que fala no assunto, referindo que essa comissão era constituída por um presidente, um secretário, um tesoureiro e três vogais. Essa comissão – que, refira-se, sempre funcionou, mesmo no tempo do fascismo – tinha plenos poderes para resolver todos os problemas da comunidade. Sem capacidade jurídica que transcendesse as “fronteiras” do território, a comissão foi, em termos práticos, o executivo que levava à prática as deliberações tomadas em assembleia geral pelo povo da aldeia. Entre essas deliberações contaram-se, por exemplo, a dado momento da história, “atribuir ao forasteiro o estatuto de cidadão, ao serem-lhe concedidos todos os direitos e deveres que usufruiam os naturais”.
Por motivos legais, em 1989, foi necessário criar uma entidade com “corpo jurídico” que acabaria por substituir a “comissão”. Essa entidade, a Associação do Povo de Aivados, que em termos práticos substituiu a “comissão”, possui uma direcção, um conselho fiscal e uma assembleia geral.
O presidente da direcção, António Ventura, explica-nos que, “embora a Associação possua estatutos, para nós, o que tem mais importância é o nosso regulamento interno, que dantes era apenas oral e que agora, aos poucos, começa a ser redigido”. No entanto, por força da tradição, os moradores continuam a tratar os responsáveis da associação por “comissão”.
E é esta “associação/comissão” que continua a governar, a gerir os interesses da comunidade, sendo periodicamente todos os assuntos discutidos em assembleia geral de moradores. Hoje, por motivos legais e burocráticos, colocam-se novas tarefas aos responsáveis da aldeia, tanto mais que, nos últimos anos, graças a uma boa gestão, o património da comunidade tem crescido, existem constantes entradas e saídas de dinheiro, há contas bancárias, enfim, é preciso uma contabilidade organizada, muito diferente daquela que existia há algumas décadas. Por exemplo, presentemente, os terrenos conhecidos como “folhas”, que até há poucos anos eram explorados individualmente pelos moradores interessados, passaram a ser explorados directamente pela Associação do Povo de Aivados, que possui vários tractores e alfaias agrícolas. Os pastos desses terrenos já não são vendidos a terceiros (agricultores vizinhos) mas sim aproveitados para o rebanho colectivo, que possui mais de 500 cabeças de ovinos. Ou seja, a Associação, como pessoa colectiva, passou a funcionar como uma empresa agrícola. E não só porque, além das vertentes agrícola e pecuária, a Associação tem a seu cargo outras tarefas, tais como, por exemplo, renovar um contrato de arrendamento com uma empresa que explora uma pedreira dentro dos terrenos comunitários.
Para António Ventura, “tão ou mais importante do que a verba envolvida no aluguer desse terreno – verba que dá um certo desafogo financeiro à comunidade – existem outras questões à margem também importantes, como a empresa criar postos de trabalho aos moradores da aldeia ou, por outro lado, respeitar as questões ambientais”. A acção dos “governantes” da aldeia também se faz sentir nos contactos com o poder local (Junta de Freguesia e Câmara Municipal), em obras de beneficiação de espaços públicos e mesmo na aquisição de prédios urbanos ou construção de algumas obras, como seja a casa mortuária.
Uma das próximas metas da Associação do Povo de Aivados é realizar obras de beneficiação num prédio comunitário e transformá-lo em sede e arquivo, “um arquivo seguro – no dizer de António Ventura – onde possa ser guardada toda a documentação relacionada com a história da aldeia, nomeadamente os manuscritos, hoje à minha guarda, na minha casa, que naturalmente não oferece condições de segurança, porque, além da humidade normal de uma casa, que estraga documentos, é sempre possível um fogo, um assalto ou outra anomalia qualquer”.
“Tudo é de todos, nada é de ninguém”
In pt.indymedia
#Mariazinha
Subscrever:
Mensagens (Atom)