segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Next Girl




Well, the look on the cake
It ain't always the taste
My ex-girl she had
Such a beautiful face
I wanted love
But not for myself
But for the girl
So she could love herself
Oh my next girl
Will be nothing like my ex-girl
I made mistakes back then
I'll never do it again
With my next girl
She'll be nothing like my ex-girl
It was a painful dance
And I got a second chance
Oh, a beautiful face
And a wicked way
And I'm paying for her beautiful face
Everyday
All that work
Over so much time
If I think too hard
I might lose my mind
Oh my next girl
Will be nothing like my ex-girl
I made mistakes back then
I'll never do it again
With my next girl
She'll be nothing like my ex-girl
It was a painful dance
And I got a second chance
Oh my next girl

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Gil Scott-Heron - Your Soul and Mine


Standing in the ruins of another black man's life
Or flying through the valley separating day and night
"I am death!" cried the vulture for the people of the light
Karon brought his raft from the sea that sails on souls
And saw the scavenger departing, taking warm hearts to the cold
He knew the ghetto was a haven for the meanest preacher ever known
In the wilderness of heartbreak and a desert of despair
Evil's clarion of justice shrieks a cry of naked terror
Taking babies from their mamas, leaving grief beyond compare
So if you see the vulture coming, flying circles in your mind
Remember there is no escaping for he will follow close behind
Only promise me a battle, battle for your soul and mine
And mine

terça-feira, 15 de novembro de 2011

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Digitais

Nas fotografias digitais, contemplo o teu belo passado... 
                     enterro-me na mais penosa das saudades 

                            e o écran torna-se a minha prisão, o templo da minha tortura                                        onde todos os dias mato o homem que te amou.


sábado, 5 de novembro de 2011

MAYA SOLOVEY





A nova-iorquinha Maya Solovéy é uma jovem artista encantadora que nos oferece melodias maravilhosas, repletas de influências multiculturais recolhidas nas suas vivências nos EUA, na América Latina ou em Espanha, e que no seu repertório nos brinda não só com canções divinas e uma voz angelical e doce, mas também com letras escritas em Inglês, Espanhol, e mesmo Português, num misto de ingredientes que Maya foi recolhendo mundo fora para nos oferecer nos seus concertos. Cada música conta uma história, cada história nos transporta ao imaginário de Maya, cada momentos das suas actuações são momentos de reconciliação com as coisas belas e simples da vida, por entre apontamento que vão do folk e do pop ao bossa nova.
Maya toca guitarra e faz-se acompanhar do reconhecido produtor Bassy Bob Brockman (Fugees, Sting, Toni Braxton, Bob Dylan, entre muitos outros) que a acompanha no baixo. Quando esteve em Lisboa em Janeiro de 2011 para um único concerto, transformou a sala fria no sítio mais acolhedor e inspirador da cidade. Foi um concerto tão doce e bonito que ela apaixonou-se por nós, nós apaixonámo-nos por ela, e por entre canções houve promessas de regressar em breve, houve desejos de lançar o seu último disco em Portugal. Volvidos 9 meses, confirma-se o desejado regresso de Maya a Portugal, depois do lançamento nacional do seu último disco em fins de Outubro.

Press:

"Here's a rarity: An original voice who really is original! Drawing inspiration from all over the map, Maya Solovey has developed a deep, enchanting sound that's unlike anything else out there right now." - Tom Moon, on air critic for NPR, and journalist for Rolling Stone and Spin Magazine

"We'd love for folkie Maya Solovey to sing us to sleep. Under the stars. But we'll settle for being wide awake at Rockwood Music Hall."

- The Skint NYC

"Possibly the sexiest voice since Eartha Kitt." - Take This Bread


“The judges praised the song as "impressively crafted, lyrically poetic and emotionally powerful." - Judges of The Great Amerincan Song Contest (Maya Solovéy won the first place with song “Linger”)


Tracks: Ring ring ring / A escultura / Dreamgirls /

Touch / Eu vi / The Most / Tonight /
Na distante / Como yo lloro por ti /
A Vida / American Song / Madreselva

Se gostam de Cat Power e de Lhasa, vão ficar apaixonados por Maya Solovey.

Datas confirmadas:
01/11 - FNAC Chiado (18:30h) / 03/11 - Clube Ferroviário (23:00h)
04/11 - FNAC Colombo (18:30h); Concerto Espaço Reflexo, Sintra (22:00h)
05/11 - Fnac NorteShopping (16h00); Fnac GaiaShopping (22h00) / 06/11 - Fnac Sta. Catarina (17h00)

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sobre 15 de Outubro e subsídios de Natal

Foi bom encontrar tantos de vós na Praça do Sertório a 15 de Outubro, em Évora. Foi incrível reconhecer tantos de vós, quase todos professores, de média e longa carreira. Vários foram meus.

Também eu estou muito triste com os cortes nos vossos subsídios de natal e verão. Tal dinheiro, que vocês iam gastar por aí, iria gerar o emprego precário, os biscates, que talvez eu conseguisse agarrar, trabalhando assim alguns meses por ano. Vou sentir a falta desse "emprego".

Mas ouvindo as vossas palavras, vendo as vossas caras de indignação, eu não deixo de olhar através dos olhos de um licenciado desempregado. Até onde irão vocês, que sacrifícios farão para mudar este "estado de coisas a que chegamos", se vocês estão tão envolvidos e integrados nesse mesmo estado de coisas... o que poderão vocês fazer para além de manifs de Sábado à tarde? 

Desculpem o "vocês", não quero desintegrar o "Povo", mas entre aquele que têm emprego há mais de uma década, e o eterno desempregado/precário, existe uma diferença grande, que o vosso sistema político "democrático" tanto apoiou, entre governos PS e PSD/CDS. Eu vivo com essa diferença todos os dias.

Poderiam "vocês" ocupar a ruas à volta do Parlamento português, sem desmobilizar durante semanas, obrigando qualquer governo aí residente e cúmplices a renegociar o acordo com a "terrível" tróika", de modo a orientá-lo para a sustentabilidade de um grande numero de empregos que estão a desaparecer, para além de exigir verdadeira justiça em relação aos "culpados" nacionais (dentro dos Bancos,  e nos governos do passado) pela crise actual do país, mantendo ainda alguns dos vossos privilégios de "carreira", para que possam gastar e criar a precariedade em que eu vou sobrevivendo?

Até onde estão dispostos a ir para mudar a nossa realidade? Arriscarão os vossos empregos, o sustento dos vossos filhos? Talvez, se não quiserem que o vossos filhos sejam obrigados a emigrar, como eu irei fazer, mais tarde ou mais cedo.

É preciso MAIS. 
Mais da vossa parte. Mais acção, mais eficiência de acção. O quebrar dos mitos económico-políticos actuais, uma revolução da vossa mente.

A 26 de Novembro encontrar-nos-emos novamente nessa mesma praça. E pedir-vos-ei uma resposta.
Até breve...

domingo, 30 de outubro de 2011

PAUS


Isto dos PAUS....
 ....
Não há razões, não há conceitos, não há paciência para bios.....
Tocamos juntos porque gostamos uns dos outros e precisamos de fazer música. PAUS é o resultado de quando nos juntamos os quarto com instrumentos e uma cervejas.....
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Mas pronto, só para que saiba.....
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Há pouco menos que um ano atrás, tocamos pela primeira vez juntos na avenida. Queríamos que o nosso primeiro ensaio de sempre fosse assistido. Quase como um princípio testemunhado, um começo para a história partilhado com mais pessoas do que apenas nós quatro.....
 ....
A ideia na verdade começou de uma conversa que tivemos sobre a possibilidade ou interesse de tocarmos com duas baterias pegadas pelo mesmo bombo - e assim nasceu a ideia da bateria siamesa. Depois do primeiro ensaio, que tal como qualquer primeiro ensaio, não foi nada de especial mas deu para perceber que o potencial polirítmico do instrumento e a química que existia entre nós os quatro,( o hélio e o quim na bateria, o makoto no baixo e o shela nos teclados e todos a tentar cantar) era qualquer coisa de nova e desafiante. Mas a cada ensaio ou gravação percebemos que ainda há muita coisa para explorar. ....
 ....
Outra coisa que decidimos, simplesmente porque nos podíamos dar a esse luxo e porque não nos apetecia aborrecer no estúdio, foi atrevermo-nos a irmos com as músicas o mais abertas possíveis para a gravação. Objectivamente isto quer dizer que o que levamos para gravar são ritmos e fills de bateria e depois reagimos a isso. É sempre uma surpresa, há um oportunidade sempre presente de falharmos e isso é o que nas dá a tusa para fazermos as músicas assim. Acho que essa tensão se sente no resultado final. Compor enquanto se grava é uma novidade para nós e faz todo o sentido para um grupo de pessoas que se aborrece com demasiada facilidade.....
 ....
Pronto. Isto é PAUS.....
Beijinhos....



sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Poema dum Funcionário Cansado



A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida
num quarto só


António Ramos Rosa



Sabem que me escondo na Bellevue
Ninguém comparece ao meu rendez-vous

Os meus amigos enterrados no jardim
E agora mais ninguém confia em mim

Era só para brincar ao cinema negro
Os corpos no lago e cartões jovens e desemprego

domingo, 2 de outubro de 2011

é só tirar e levar


Na minha descida ao querido jardim do século XIX, verde jóia no seco verão alentejano, sofro com a perspectiva de ter apenas o “correio da manhã” como leitura para acompanhar o meu “descafé”. Homicídios, violações, crise não combinam com um “Nicola” e um saquinho de refinado açúcar. E voltar atrás, com este calor…

Mas o meu caminho passa pela “casa da cultura”, e logo, pela biblioteca municipal. Perfeito, lá encontrarei a companhia certa para ler.

Chegado à biblioteca, porta aberta, ar condicionado ligado, mas ninguém para me atender. Devem chegar a seguir, pensei eu enquanto me dirigia para a secção de literatura inglesa.
Para minha surpresa, autores norte-americanos, ingleses, bem como germânicos, estavam profundamente misturados, como uma louca orgia de ecstasy e verão, levando-me a perguntar o porquê  da rotulagem das diferentes nacionalidades de origem.
Deve ser uma questão de literatura anglo-saxónica, onde nem a ordem alfabética é respeitada, como se a pseudo-organização da biblioteca fosse a ruína de um distante passado.

Nisto passaram 20 minutos, eu sozinho numa abandonada biblioteca… quem é que rouba livros não é verdade? Ainda se fosse cobre…

Para ajudar toda esta fantástica situação, encontrei a “Instrução dos Amantes”  de Inês Pedrosa  em literatura germânica. Como nunca li, se calhar até é verdade, literatura germânica escrita por uma autora portuguesa quiçá.

Alguém entra, e logo sobe umas escadas laterais à biblioteca, frustrando as minhas expectativas de alguma atenção e cuidado. Mais de meia hora passou, e a minha paciência esgotou, pelo que peguei num livro de Annaís Nin, “ Debaixo de uma Redoma”, que nem é das minhas autoras favoritas, e saí calmamente, passando por funcionários e cidadãos, a caminho do meu jardim. Depois devolvo claro.

…e antes do café ser servido, comecei a ver toda a minha recente aventura como uma distópica metáfora.
Portugal, o “meu” país, espelhado perfeitamente numa biblioteca do interior.
É só tirar e levar.
(e não me refiro ao cobre)

Manifesto Mulheres Brasileiras



Vimos por meio deste, manifestar nosso repúdio ao preconceito contra as mulheres brasileiras em Portugal e exigir que providências sejam tomadas por parte das autoridades competentes.

Concretamente, apontamos a comunicação social portuguesa e a forma como, insistentemente, tem construído e reproduzido o estigma de hipersexualidade das mulheres brasileiras. Este estigma é uma violência simbólica e transforma-se em violência física, psicológica, moral e sexual. Diversos trabalhos de investigação, bem como o trabalho de diversas organizações da sociedade civil, têm demonstrado como as mulheres brasileiras são constantemente vítimas de diversos tipos de violência em Portugal.

O estigma da hipersexualidade remonta aos imaginários coloniais que construíam as mulheres das colônias como objetos sexuais, escravas sexuais, e marcadas por uma sexualidade exótica e bizarra. Cita-se, por exemplo, a triste experiência da sul-africana Saartjie Baartman, exposta na Europa, no século XIX, como símbolo de uma sexualidade anormal. Em Portugal, esses imaginários coloniais, infelizmente, ainda são reproduzidos pela comunicação social.

Teríamos muitos exemplos a citar, mas focaremos no mais recente, o qual motivou um grupo de em torno de 140 mulheres e homens, de diferentes nacionalidades, a mobilizarem-se, a partir das redes sociais, para escrever este manifesto e conseguir apoio de diferentes organizações da sociedade civil. Trata-se da personagem “Gina”, do Programa de Animação “Café Central” da RTP (Rádio Televisão Portuguesa). A personagem é a única mulher do programa, a qual, devido ao forte sotaque brasileiro, quer representar a mulher brasileira imigrante em Portugal. A personagem é retratada como prostituta e maníaca sexual, alvo dos personagens masculinos do programa. Trata-se de um desrespeito às mulheres brasileiras, que pode ser considerado racismo, pois inferioriza, essencializa e estigmatiza essas mulheres por supostas características fenotípicas, comportamentais e culturais comuns. Trata-se de um desrespeito a todas as mulheres, pois ironiza/escarnece sua sexualidade, sua possibilidade de exercer uma sexualidade livre, o que pode ser considerado machismo e sexismo. Trata-se, ainda, de um desrespeito às profissionais do sexo, pois ironiza o seu trabalho, transformando-o em símbolo de deboche/piada/anedota, sendo que não é um trabalho criminalizado em Portugal, portanto, é um direito exercê-lo livre de estigmas. No anexo 1 desta carta estão: o vídeo de um dos episódios (na versão on-line), e a transcrição de um dos episódios, bem como, a imagem dos personagens (na versão impressa). Destacamos que o fato é agravado por se tratar de uma emissora pública, a qual em hipótese alguma deveria difundir valores que ferem o direito das mulheres e da dignidade humana.

Além deste caso que envolve a televisão, existem muitos outros em revistas, jornais e publicidades, que exemplificam a disseminação do estigma em vários meios de comunicação de massa e cujos exemplos seguem em anexo. Seja qual for o meio de comunicação utilizado, é constante a representação estereotipada da mulher brasileira como objeto sexual, o que acaba por interferir na forma como as imigrantes brasileiras são percebidas e tratadas dentro da sociedade portuguesa. 

-Anexo 2: a capa da Revista Focos, edição 565/2010, a qual apresenta as mulheres brasileiras como sedutoras e as representa com uma imagem cujo destaque é a bunda;
-Anexo 3: a reportagem do Diário de Notícias, edição do dia  26/06/2011, sobre o movimento SlutWalk Lisboa, a qual descontextualizou uma imagem, acabando por reforçar os estigmas contra a mulher brasileira, fazendo exatamente o contrário do objetivo do movimento;
-Anexo 4:  publicidade do Ginásio Holmes Place- Health Club, atual, sobre uma modalidade de aulas intitulada “Made in Brazil”, a qual é representada por uma imagem cujo destaque é a bunda;
-Anexo 5: publicidade da Agência de Viagens Abreu, na Revista B de Brasil, edição inverno de 2001, cuja a imagem do Brasil é uma mulher e a mensagem da publicidade é uma referência direta aos descobrimentos e a disponibilidade, aos portugueses, do que havia e há no Brasil.
-Anexo 6: episódio do programa de humor "Mini-Malucos do Riso", da SIC, no qual afirmam que no Brasil só há prostitutas e futebolistas.

Exigimos, das autoridades competentes, que se faça cumprir a “CEDAW – Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres”, da qual tanto Portugal, como o Brasil, são signatários. Destacamos, também, o “Memorando de Entendimento entre Brasil e Portugal para a Promoção da Igualdade de Gênero”, no qual consta que estes países estão "Resolvidos a conjugar esforços para avançar na implementação das medidas necessárias para a eliminação da discriminação contra a mulher em ambos os países".

sábado, 1 de outubro de 2011

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

O jardim de caminhos que se bifurcam, de Jorge Luís Borges, 1941


(a Victoria Ocampo)

Na pagina 22 da Historia da Guerra Européia, de Liddell Hart, lê-se que uma ofensiva de treze divisões britânicas (apoiadas por mil e quatrocentas peças de artilharia) contra a linha de Serre-Moutauban tinha sido planejada para o dia vinte e quatro de Julho de 1916 e teve que ser adiada até a manhã do dia vinte e nove. As chuvas torrenciais (anota o Cap. Liddell Hart) provocaram essa delonga – nada significativo, por certo. A seguinte declaração, ditada, relida e assinada pelo Dr. Yu Tusun, antigo catedrático de inglês na Hochschule de Tsingatao, projecta uma insuspeitada luz sobre o caso. Faltam as duas páginas iniciais.
“… e pendurei o fone. Imediatamente após, reconheci a voz que havia respondido em alemão. Era a do Cap. Richard Madden. Madden no apartamento de Viktor Runeberg, significava o fim de nossos afãs e – mas isso parecia muito secundário, ou devia parecer-me – também de nossas vidas. Queria dizer que Runenberg tinha sido detido, ou assassinado?* Antes que o sol desse dia declinasse, eu sofreria a mesma sorte. Madden era implacável . Ou melhor, estava obrigado a ser implacável. Irlandês às ordens da Inglaterra, homem acusado de tibieza e talvez de traição, como não abraçar e agradecer esse milagroso favor: a descoberta, a captura, quem sabe a morte, de dois agentes do Império Alemão? Subi ao meu quarto; absurdamente fechei a porta a chave e atirei-me de costas na estreita cama de ferro. Na janela mostravam-se os telhados de sempre e o sol nublado das seis. Pareceu-me incrível que esse dia sem premonições ou símbolos fosse o de minha morte implacável. Apesar de meu pai haver morrido, apesar de ter sido um menino num simétrico jardim de Hai Feng, eu, agora, ia morrer? Depois refleti que todas as coisas nos acontecem precisamente, precisamente agora. Século de século e apenas no presente ocorrem os fatos; inumeráveis homens no ar, na terra e mar, e tudo o que realmente sucede; sucede a mim… A quase intolerável lembrança do rosto acavalado de Madden aboliu essas divagações. Em meio ao meu ódio e meu terror (no momento não me importa falar de terror: agora que enganei Richard Madden, agora que minha garganta anseia pela corda) pensei que esse guerreiro tumultuoso e sem dúvida feliz não suspeitava que eu possuísse o Segredo.  O nome do exato  lugar do novo parque britânico e artilharia sobre o Ancre. Um pássaro riscou o céu cinza e cegamente tomei-o por um aeroplano e a esse aeroplano por muitos (no céu francês) aniquilando o parque de artilharia com bombas verticais. Se minha boca; antes que a desfizesse um balanço, pudesse gritar esse nome de modo que o escutassem na Alemanha… Minha voz era muito fraca. Como fazê-la chegar ao ouvido do Chefe? Ao  ouvido daquele homem doente e odioso, que nada sabia de Runeberg e de mim a não ser que estávamos em Staffordshire e inutilmente esperava noticias nossas em seu árido escritório de Berlim, examinando infinitamente jornais… Disse em voz alta: Devo fugir. Incorporei-me sem barulho, numa oca perfeição de silencio, como se Madden já estivesse espreitando. Algo – talvez a mera ostentação de provar que meus recursos eram nulos – fez me revistar meus bolsos. Encontrei o que sabia que ia encontrar. O relógio norte-americano, a corrente de níquel e a moeda quadrangular, o chaveiro com as comprometedoras chaves inúteis do apartamento de Runeberg, a caderneta, uma carta que resolvi destruir imediatamente (e que não destruí), uma coroa, dois xelins e uns pennies, o lápis vermelho-azul, o lenço, o revólver com uma bala. Absurdamente o empunhei e sopesei para dar-me coragem. Pensei vagamente que um tiro de pistola pode ser ouvido bem longe. Em dez minutos meu plano estava maduro. O guia telefónico forneceu-me o nome da única pessoa capaz de transmitir a noticia: vivia num subúrbio de Fenton, a menos de meia hora de trem.
Sou um homem covarde. Agora o digo, agora que levei a termo um plano que ninguém deixará de qualificar de arriscado. Sei que foi terrível sua execução. Não o fiz pela Alemanha, não. Pouco me importa um país bárbaro, que me obrigou à abjecção de ser um espião.  Ademais, eu sei de um homem da Inglaterra – homem modesto – que para mim não representa menos que Goethe. Não falei com ele mais de uma hora, mas durante uma hora foi Goethe… Eu fiz isso, porque sentia que o Chefe temia um pouco aos de minha raça – aos inumeráveis antepassados que em mim confluem. Eu queria provar-lhe que um amarelo podia salvar exércitos. De resto, devia fugir do capitão. Suas mãos e sua voz podiam bater-me à porta a qualquer momento. Vesti-me sem ruído, disse-me adeus no espelho, desci, esquadrinhei a rua tranquila  e sai. A estação não ficava longe de casa, mas achei preferível tomar um carro. Argui que assim corria menos perigo de ser reconhecido; o fato é que na rua deserta eu me sentia visível e vulnerável, infinitamente. Lembro-me de ter dito ao chofer que se detivesse um pouco antes da entrada central. Desci com lentidão voluntária e quase penosa; ia à aldeia de Ashgrove, mas retirei uma passagem para uma estação mais longe. O trem saia dentro de pouquíssimo minutos, às oito e cinquenta. Apressei-me; o próximo partia às nove e meia. Não havia quase ninguém na plataforma. Percorri os vagões: recordo uns lavradores, uma mulher de luto, um jovem que lia fervoroso os Anais de Tácito, um soldado ferido e feliz. Os vagões, por fim, arrancaram. Um homem que reconheci correu em vão até o limite da plataforma. Era o Cap Richard Madden. Aniquiliado, trêmulo, , encolhi-me noutra ponta do assento, longe da temida janela.
Dessa aniquilação passei a uma felicidade quase abjecta. Disse-me que já estava empenhada minha luta e que ganhara o primeiro assalto, ao iludir, ainda que por quarenta minutos, ainda que por favor da sorte, o ataque de meu adversário. Argui que essa vitória mínima prefigurava a vitória total. Argui que não era mínima, já que sem essa diferença preciosa que o horário dos trens me oferecia, eu estaria no cárcere ou morto. Argui (não menos sofisticadamente) que minha felicidade covarde provava que eu era homem capaz de levar a bom termo a aventura. Dessa fraqueza tirei forças que não me abandonaram. Prevejo que o homem se resignará diariamente a empresas mais atrozes; breve só haverá guerreiros e bandoleiros, dou-lhes este conselho: O executor de uma empresa atroz deve imaginar que já a cumpriu, deve impor-se um futuro que seja irrevogável com o passado.  Assim procedi, enquanto meus olhos de homem já morto registravam o fluir daquele dia que era talvez o último, e a difusão da noite. O trem corria como doçura, entre freixos. Deteve-se, quase ao meio do campo. Ninguém gritou  o nome da estação. Ashgrove? – perguntei a uns meninos na plataforma. Ashgrove, responderam. Desci.
Uma lâmpada aclarava a plataforma, mas o rostos dos meninos ficavam na zona da sombra. Um me perguntou: O senhor vai à casa do Dr. Stephen Albert? Sem aguardar resposta, outro disse: A casa fica longe daqui, mas o senhor não se perderá se tomar esse caminho à esquerda e se em cada encruzilhada do caminho dobrar à esquerda.  Atirei-lhes uma moeda (a última), desci uns degraus de pedra e entrei no solitário caminho. Este, lentamente, descia. Era de terra elementar, confundiam-se no alto os ramos, a lua baixa e circular parecia acompanhar-me.
Por um instante, pensei que Richard Madden havia de algum modo penetrado  em minhas desesperadas intenções. Logo compreendi que isso era impossível. O conselho de sempre dobrar à esquerda lembrou-se que tal era o procedimento comum para descobrir o pátio central de certos labirintos. Entendo alguma coisa de labirintos: não é em vão que sou bisneto daquele Ts’ui Pen, que foi governador de Yunnan e que renunciou ao poder temporal para escrever um romance que fosse ainda mais populoso que o Hung Lu Meng e para edificar um labirinto em que todos os homens se perdessem. Treze anos dedicou a esses heterogêneos  trabalhos, porém a mão de um forasteiro o assassinou e seu romance era insensato e ninguém encontrou o labirinto. Sob árvores inglesas meditei nesse labirinto perdido: imaginei-o inviolado e perfeito no cume secreto de uma montanha, imaginei-o disfarçado por arrozais ou debaixo d’água, imaginei-o infinito, não já de quiosques oitavados e de caminhos que voltam, mas sim de rios e províncias e reinos… Pensei num labirinto de labirintos, num sinuoso labirinto crescente que abarcasse o passado e o futuro e que envolvesse, de algum modo, os astros. Absorto nessas imagens ilusórias, esqueci meu destino de perseguido. Senti-me, por um tempo indeterminado, conhecedor abstracto do mundo. O vago e vivo campo, a lua, os restos da tarde, agiram sobre mim; também o declive que eliminava qualquer possibilidade de cansaço. A tarde era íntima, infinita. O caminho descia e se bifurcava, entre várzeas indistintas. Uma música aguda e como que silábica aproximava-se e afastava-se no vaivém do vento, turvada de folhas e de distância. Pensei que um homem pode ser inimigo de outros homens, de outros momentos de outros homens, mas não de um país: não de vaga-lumes, palavras, jardins, cursos de água, poentes. Cheguei, assim, a um alto portão enferrujado. Entre as grades de ferro decifrei uma alameda e uma espécie de pavilhão. Compreendi, logo. Duas coisas, a primeira trivial, a segunda quase incrível: a música vinda do pavilhão, a música era chinesa. Por isso eu a aceitara com plenitude, sem prestar-lhe atenção. Não recordo se havia uma sineta ou uma campainha ou se chamei batendo palmas. A contínua vibração da música prosseguiu.
Mas do fundo da aconchegante casa uma lanterna se aproximava: uma lanterna que os troncos riscavam e por instantes anulavam, uma lanterna de papel, que tinha  a forma dos tambores e a cor da lua. Um homem alto a trazia. Não vi seu rosto, porque a luz me cegava. Abriu o portão e disse lentamente no meu idioma:
_ Vejo que o piedoso Hsi P’eng se empenha em corrigir minha solidão. O senhor sem dúvida desejará ver o jardim?
Reconheci o nome de um de nossos cônsules e repeti desconcertado:
_ O jardim?
_ O jardim de caminhos que se bifurcam.
Alguma coisa se agitou em minha lembrança e pronunciei com incompreensível segurança:
_ O jardim de meu antepassado Ts’uui Pen.
_ Seu antepassado? Seu ilustre antepassado? Avante.
O húmido caminho ziguezagueava como os de minha infância. Chegamos a uma biblioteca de livros orientais e ocidentais. Reconheci, encadernados em seda amarela, alguns volumes manuscritos da Enciclopédia Perdida que o Terceiro Imperador da Dinastia Luminosa orientou e que nunca foi publicada. O disco do gramofone girava junto a um Fénix de bronze. Lembro-me também de um jarrão rosa da família e outro, anterior de muitos séculos, dessa cor azul que nossos artífices copiaram dos oleiros da Pérsia…
Stephen Albert observava-me, sorridente. Era (já o disse) muito alto, de feições afiladas, de olhos cinzentos e barba cinzenta. algo de sacerdote havia nele e também de marítimo; depois me referiu que fora missionário em Tientsin ‘antes de aspirar a sinólogo.
Sentamo-nos; eu num comprido e baixo divã; ele de costas à janela e a um alto relógio circular. Calculei que meu perseguidor Richard Madden, antes de uma hora não chegaria. Minha determinação irrevogável podia esperar.
_Assombroso destino o de Ts’ui Pen – disse Stephen albert. – Governador de sua província natal, douto em astronomia, em astrologia e na interpretação infatigável dos livros canônicos, enxadrista, famoso poeta e calígrafo: abandonou tudo para compor um livro e um labirinto. Renunciou aos prazeres da opressão, da justiça, do numeroso leito, dos banquetes e ainda da erudição e enclausurou-se durante treze anos no Pavilhão Límpida Solidão. Ao morrer, os herdeiros só encontraram manuscritos caóticos. A família, como talvez o senhor não ignore, quis adjudicá-los ao fogo; mas seu testamenteiro – um monge taoísta ou budista – insistiu na publicação.
_ Os do sangue de Ts’sui Pen – respondi – continuamos execrando a esse monge. Essa publicação foi insensata. O livro é um acervo indeciso de apontamentos contraditórios. Examinei-o certa vez: no terceiro capítulo morre o herói, no quarto está vivo. Quanto à outra empresa de Ts’ui Pen, ao seu Labirinto…
_ Aqui está o Labirinto – disse indicando-me uma alta escrivaninha laqueada.
_ Um labirinto de marfim! – exclamei. – Um labirinto mínimo…
_ Um labirinto de símbolos – corrigiu. – Um invisível labirinto de tempo. A mim, bárbaro inglês, foi-me dado revelar esse diáfano mistério. Ao fim de mais de cem anos, os pormenores são irrecuperáveis, mas não é  difícil conjecturar o que sucedeu.  Ts’sui Pen teria dito uma vez: Retiro-me para escrever um livro. E outra: Retiro-me para construir um labirinto. Todos imaginaram duas obras; ninguém pensou que livro e labirinto eram um só objecto. O Pavilhão da Límpida Solidão erguia-se no centro de um jardim talvez intrincado; essa circunstância pode ter sugerido aos homens um labirinto físico. Ts’sui Pen morreu; ninguém, nas dilatadas terras que foram suas, achou o labirinto. Duas situações trouxeram-se a exacta solução do problema. Uma: a curiosa lenda de que Ts’suiu Pen se propusera um labirinto que fosse estritamente infinito. Outra: um fragmento de uma carta que descobri.
Albert levantou-se. Volveu-me, por uns instantes, as costas; abriu a gaveta da áurea e enegrecida escrivaninha. Voltou com um papel antes carmesim; agora rosado e ténue e quadriculado. Era justo o renome caligráfico de Ts’sui Pen. Li com incompreensão e fervor estas palavras que com minucioso pincel redigira um homem de meu sangue: Deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim de caminhos que se bifurcam. Devolvi em silêncio a folha. Albert continuou:
_ Antes de exumar esta carta, eu tinha me perguntado de que maneira um livro pode ser infinito. Não conjecturei outro processo que o de um volume cíclico, circular. Um volume cuja última página fosse idêntica à primeira, com possibilidade de continuar indefinidamente. Recordei também aquela noite que está no centro das Mil e Uma Noites, quando a Rainha Scheherazade (por uma mágica distracção do copista) põe-se a referi textualmente a história das ’1001 Noites’, com risco de chegar outra vez à noite na qual está fazendo o relato, e assim até o infinito. Imaginei também uma obra platónica, hereditária, transmitida de pai para filho, na qual cada novo indivíduo aditasse um capítulo ou corrigisse com piedoso cuidado a página dos antepassados.  Essas conjecturas distraíram-me; mas nenhuma parecia corresponder, ainda que de um modo distante, aos contraditórios capítulos de Ts’sui Pen. Nessa perplexidade, remeteram-me de Oxford o manuscrito que o senhor examinou. Detive-me, como é natural, na frase: Deixo aos vários futuros (não a todos) meu jardim de caminhos que se bifurcam. Quase de imediato compreendi: o jardim de caminhos que se bifurcam era o romance caótico; a frase “vários futuros (não a todos)” sugeriu-me a imagem da bifurcação no tempo, não no espaço. A releitura geral da obra confirmou essa teoria. Em todas as ficções, cada vez que um homem se defronta com diversas alternativas, opta por uma e elimina as outras; na do quase inextricável Ts’sui Pen, opta – simultaneamente – por todas. Cria, assim, diversos futuros, diversos tempos, que também proliferam e se bifurcam. Daí as contradições do romance. Fang, digamos, tem um segredo; um desconhecido chama à sua porta; Fang pode matar o intruso, o intruso pode matar Fang, ambos podem salvar-se, ambos podem morrer, etc. Na obra de Ts’sui Pen, todos os desfechos ocorrem; cada um é o ponto de partida de outras bifurcações. Às vezes, os caminhos desse labirinto convergem: por exemplo, o senhor chega a esta casa, mas num dos passados possíveis o senhor é meu inimigo, em outro meu amigo. Se o senhor se resignar à minha pronúncia incurável, leremos algumas páginas.
Seu rosto, no vívido círculo da lâmpada, era sem dúvida o de um ancião, mas com algo inquebrável e ainda imortal. Leu com lenta precisão duas versões de um mesmo capítulo épico. Na primeira, um exército marcha para uma batalha através de uma montanha deserta; o horror das pedras e da sombra leva-o a menosprezar a vida e consegue facilmente a vitória; na segunda, o mesmo exército atravessa um palácio onde há uma festa; resplandecente batalha se lhe afigura uma continuação da festa e obtém a vitória.   Eu escutava com apropriada veneração essas velhas ficções, talvez menos admiráveis que o fato de terem sido ideadas pelo meu sangue e que um homem de um império remoto as restituísse a mim, no curso de uma desesperada aventura, numa ilha ocidental. Lembro-me das palavras finais, repetidas em cada versão como um mandamento secreto: Assim como combateram os heróis, tranquilo o admirável coração, violenta a espada, resignados a matar e morrer.
A partir desse instante, senti ao meu redor e no meu pobre corpo uma invisível, intangível pululação. Não a pululação dos divergentes, paralelos e finalmente coalescentes exércitos, porém uma agitação mais inacessível, mais íntima e que eles de certo modo prefiguravam. Stephen Albert continuou:
_ Não acredito que seu ilustre antepassado brincasse ociosamente com as variações. Não julgo verosímil que sacrificasse treze anos à infinita execução de um experimento retórico. Em seu país, o romance é um género subalterno; naquele tempo era um género desprezível. Ts´sui Pen foi um romancista genial, mas também foi um homem de letras que sem dúvida não se considerou um simples romancista. O testemunho de seus contemporâneos proclama – e fartamente o confirma sua vida – suas inclinações metafísicas, místicas. A controvérsia filosófica usurpa boa parte do romance. Sei que de todos os problemas, nenhum o inquietou e ocupou como o abismal problema do tempo. Pois bem, esse é o único problema que não figura nas páginas do jardim. Nem sequer emprega a palavra que significa tempo. Como explica o senhor essa voluntária omissão?
Propus várias soluções: todas, insuficientes. Discutimo-las; por fim, Stephen Albert disse-me:
_ Numa charada cujo tema é o xadrez, qual seria a única palavra proibida? – Pensei um momento e repliquei:
_ A palavra xadrez.
_ Exactamente – falou Albert. _ O jardim de caminhos que se bifurcam é uma enorme charada, ou parábola, cujo tema é o tempo; essa causa recôndita proíbe-lhe a menção desse nome. Omitir sempre uma palavra, recorrer a metáforas ineptas e a perífrases evidentes, é quiçá o modo mais enfático de indicá-la. É o modo tortuoso que preferiu, em cada um dos meandros de seu infatigável romance, o oblíquo Ts´sui Pen. Confrontei centenas de manuscritos, corrigi erros que a negligência dos copistas introduziu, conjecturei o plano desse caos, restabeleci, acreditei restabelecer, a ordem primordial, traduzi a obra toda: consta-me que não usa uma só vez a palavra tempo. A explicação é óbvia: O jardim de caminhos que se bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal como o concebia Ts´sui Pen. Diferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Não existimos na maioria desses tempos; nalguns existe o senhor e não eu. Noutros, eu, não o senhor; noutros, os dois. Neste, que um acaso favorável me surpreende, o senhor chegou a minha casa; noutro, o senhor ao atravessar o jardim, encontrou-me morto; noutro, digo estas mesmas palavras, mas sou um erro, um fantasma.
_ Em todos – articulei com um certo temor – agradeço e venero sua recriação do jardim de Ts´ui Pen.
_ Não em todos _ murmurou com um sorriso. _ O tempo se bifurca perpetuamente para inumeráveis futuros. Num deles sou seu inimigo.
Voltei a sentir aquela pululação de que falei. Pareceu-me que o húmido jardim que rodeava a casa estava saturado até o infinito de pessoas invisíveis. Essas pessoas eram Albert e eu, secretos, atarefados e multiformes em outras dimensões de tempo. Alcei os olhos e o ténue pesadelo se dissipou. No amarelo e negro jardim havia um só homem; mas esse homem era forte como uma estátua, mas esse homem avançava pelo caminho e era o Cap. Richard Madden.
_ O futuro já existe – respondi _ mas eu sou seu amigo. Posso examinar de novo a carta?
Albert levantou-se. Alto, abriu a gávea da alta escrivaninha; deu-me por um momento as costas. Eu havia preparado o revólver. Disparei com o maior cuidado: Albert se desaprumou, sem uma queixa, imediatamente. Juro que sua morte foi instantânea: uma fulminação.
O resto é irreal, insignificante. Madden irrompeu, prendeu-me. Fui condenado à forca. Abominavelmente venci: comuniquei a Berlim o nome secreto da cidade que deviam atacar. Ontem a bombardearam; li a notícia nos mesmos jornais em que apresentaram à Inglaterra o enigma do sábio sinólogo Stephen Albert, que morrera assassinado por um desconhecido, Yu Tsun. O chefe decifrou esse enigma. Sabe que meu problema era indicar (através dos estrépito da guerra) a cidade que se chama Albert e que não achei outro meio a não ser matar uma pessoa com esse nome. Não sabe (ninguém pode saber) minha imensa contrição e cansaço.



* Hipótese odiosa e ridícula. O espião prussiano Hans Rabener, alias Viktor Runeberg,  agrediu com uma pistola automática o portador da ordem de prisão, Cap. Richard Madden. Este, em defesa própria, causou-lhe ferimentos que determinaram sua morte (Nota do Editor).

domingo, 14 de agosto de 2011

domingo, 7 de agosto de 2011

you feed me to the lions




Agora que, sobre terras lusas, todas as pragas do Egipto e do euro caíram, que as paredes da casa não tremem apenas, mas começam visivelmente a ceder, agora eu pergunto-me…

Onde estão todas as mulheres que amei? Para onde fugiram os últimos 5 anos da minha vida?

Perdoai-me companheiros se meu peito dilacerado perturba o psicodrama da finança global… afinal é um facto televisivamente comprovado… o fim do mundo está aí… lisboa, bem como as outras capitais, será destruída por um maremoto de cartões de crédito.

Os pólos vão mudar, atlântida ressurgirá lá pelos arredores da ilha de São Miguel, e o tgV vai para os peixinhos.

milhões morrerão, milhões nascerão, e enquanto o mundo se quebra e queima, milhões de desempregados abrirão o jornal para descobrirem a nova contratação do benfica.

num mundo de reacção, onde está a revolução? Onde encontro a dignidade do escravo, a consciência do oprimido?

onde estão todos os meus crimes favoritos contra a Desumanidade?

e onde está a mulher que me dava a força para suportar todo este triste teatro?


letra

sábado, 23 de julho de 2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Para te Perder

Parece-me óbvio que te amei apenas para te perder.

Como parte do crescimento de um homem, que perdeu os dentes de leite, para morder o mundo com outra força.

Ou como a cobra que perde a pele, lá de estações em estações.
Mas não foi a pele que perdi. Foi antes o peito. O núcleo do meu peito.

Esse peito que é agora uma caverna escura, oca. Onde as memórias ganham um outro eco.
Imenso e doloroso.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Palavras de Tatanka


"Olhem, meus irmãos, a primavera chegou, a terra recebeu os beijos do sol e cedo vermos os frutos deste amor. Cada semente despertou, e da mesma forma, todos os animais estão cheios de vida.É a este poder misterioso que devemos também nós a nossa existência. É por isso que concedemos aos nossos vizinhos, mesmo aos nossos vizinhos animais, o mesmo direito de habitar esta terra que nós.No entanto, escutem-me, meus irmãos, devemos agora contar com uma outra raça, que era pequena e fraca quando os nossos pais a encontraram pela primeira vez, mas que hoje se tornou tirânica. 
Muito estranhamente, têm no seu espírito a vontade de cultivar o solo, e o amor de possuir é neles uma doença. Esse povo fez leis que os ricos podem quebrar mas os pobres não. Eles fixam taxas aos pobres e fracos para manter os ricos que governam. Eles reinvidicam-nos a nossa mãe, a terra, apenas para si e se entrincheiram-se contra os seus vizinhos. Desfiguram a terra com as suas construções e os seus entulhos.Esta nação é como a torrente de neve derretida que, quando sai do seu leito, destrói tudo à sua passagem."

Tatanka Yotanka, grande chefe Sioux 



























terça-feira, 5 de julho de 2011

Impossível é não viver



O texto que se segue é o contributo do escritor José Luís Peixoto para o MayDay Lisboa.
Agradecemos o seu apoio.
Vemo-nos na rua contra a precariedade!

Se te quiserem convencer que é impossível, diz-lhes que impossível é ficares calado, impossível é não teres voz. Temos direito a viver. Acreditamos nessa certeza com todas as forças do nosso corpo e, mais ainda, com todas as forças da nossa vontade. Viver é um verbo enorme, longo. Acreditamos em todo o seu tamanho, não prescindimos de um único passo do seu/nosso caminho.

Sabemos bem que é inútil resmungar contra o ecrã do telejornal. O vidro não responde. Por isso, temos outros planos. Temos voz, tantas vozes; temos rosto, tantos rostos. As ruas hão-de receber-nos, serão pequenas para nós. Sabemos formar marés, correntes. Sabemos também que nunca nos foi oferecido nada. Cada conquista foi ganha milímetro a milímetro. Antes de estar à vista de toda a gente, prática e concreta, era sempre impossível, mas viver é acreditar. Temos direito à esperança. Esta vida pertence-nos.

Além disso, é magnífico estragar a festa aos poderosos. É divertido, saudável, faz bem à pele. Quando eles pensam que já nos distribuíram um lugar, que já está tudo decidido, que nos compraram com falinhas mansas e autocolantes, mostramos-lhes que sabemos gritar. Envergonhamo-los como as crianças de cinco anos envergonham os pais na fila do supermercado. Com a diferença grande de não sermos crianças de cinco anos e com a diferença imensa de eles não serem nossos pais porque os nossos pais, há quase quatro décadas atrás, tiveram de livrar-se dos pais deles. Ou, pelo menos, tentaram.

O único impossível é o que julgarmos que não somos capazes de construir. Temos mãos e um número sem fim de habilidades que podemos fazer com elas. Nenhum desses truques é deixá-las cair ao longo do corpo, guardá-las nos bolsos, estendê-las à caridade. Por isso, não vamos pedir, vamos exigir. Havemos de repetir as vezes que forem necessárias: temos direito a viver. Nunca duvidámos de que somos muito maiores do que o nosso currículo, o nosso tempo não é um contrato a prazo, não há recibos verdes capazes de contabilizar aquilo que valemos.

Vida, se nos estás a ouvir, sabe que caminhamos na tua direcção. A nossa liberdade cresce ao acreditarmos e nós crescemos com ela e tu, vida, cresces também. Se te quiserem convencer, vida, de que é impossível, diz-lhe que vamos todos em teu resgate, faremos o que for preciso e diz-lhes que impossível é negarem-te, camuflarem-te com números, diz-lhes que impossível é não teres voz.

José Luís Peixoto

sábado, 2 de julho de 2011

O exemplo de Aivados

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A aldeia de Aivados, com 150 habitantes, situada a 13 quilómetros da sede do concelho, Castro Verde, é única no Baixo Alentejo: é uma aldeia comunitária, desde o século XVI, possuindo, além de um “governo”, com o seu próprio regulamento interno, 400 hectares, um rebanho comunitário, vários prédios urbanos e alfaias agrícolas.
Quem é natural ou reside há mais de um ano na pequena comunidade dos Aivados não precisa de se preocupar em arranjar dinheiro para comprar um terreno para construir casa própria: por “lei”, em efectividade desde, pelo menos 1562, tem direito a esse terreno gratuitamente, só o pagando à comunidade  se, entretanto, decidir vender a casa. Mais: como cidadão de pleno direito da comunidade, tem também direito a uma parcela de terreno nos “ferrageais” junto à aldeia, onde poderá fazer uma horta, criar galinhas ou outros animais, desde que não criem problemas ambientais aos restantes habitantes. Mais ainda: na véspera de Natal, para reforçar a ceia e poder comprar mais uma ou outra peça de roupa para suportar o Inverno, receberá uma verba em dinheiro, uma percentagem dos lucros obtidos pela comunidade na exploração dos terrenos mais desviados da aldeia, a que chamam as “folhas”.


Aivados é uma aldeia única no Baixo Alentejo. No entanto, a sua história, que remonta ao século XVI, é pouco conhecida, inclusive a nível regional, talvez por só existirem publicados e pouco divulgados dois trabalhos com profundidade sobre a aldeia: um jornalístico, publicado no “Diário doAlentejo”, em Setembro de 1982; outro na área da antropologia, um trabalho de mestrado, realizado em 1997.
Não se sabe ao certo em que ano e quem doou aos moradores os 400 hectares que cercam a aldeia de Aivados. Terrenos que, ao longo da história, têm sido cobiçados por muitas entidades públicas e privadas e sido alvo de várias tentativas de usurpação. No entanto, através de processos judiciais, um dos quais demorou 93 anos a ser resolvido, os moradores sempre conseguiram preservar o seu património.
Diz a tradição oral que os Aivados sempre foram “governados” por uma comissão, eleita por todo o povo, composta por vários cidadãos. É de 31 de Janeiro de 1934 a acta escrita mais antiga que fala no assunto, referindo que essa comissão era constituída por um presidente, um secretário, um tesoureiro e três vogais. Essa comissão – que, refira-se, sempre funcionou, mesmo no tempo do fascismo – tinha plenos poderes para resolver todos os problemas da comunidade. Sem capacidade jurídica que transcendesse as “fronteiras” do território, a comissão foi, em termos práticos, o executivo que levava à prática as deliberações tomadas em assembleia geral pelo povo da aldeia. Entre essas deliberações contaram-se, por exemplo, a dado momento da história, “atribuir ao forasteiro o estatuto de cidadão, ao serem-lhe concedidos todos os direitos e deveres que usufruiam os naturais”.
Por motivos legais, em 1989, foi necessário criar uma entidade com “corpo jurídico” que acabaria por substituir a “comissão”. Essa entidade, a Associação do Povo de Aivados, que em termos práticos substituiu a “comissão”, possui uma direcção, um conselho fiscal e uma assembleia geral.
O presidente da direcção, António Ventura, explica-nos que, “embora a Associação possua estatutos, para nós, o que tem mais importância é o nosso regulamento interno, que dantes era apenas oral e que agora, aos poucos, começa a ser redigido”. No entanto, por força da tradição, os moradores continuam a tratar os responsáveis da associação por “comissão”.
E é esta “associação/comissão” que continua a governar, a gerir os interesses da comunidade, sendo periodicamente todos os assuntos discutidos em assembleia geral de moradores. Hoje, por motivos legais e burocráticos, colocam-se novas tarefas aos responsáveis da aldeia, tanto mais que, nos últimos anos, graças a uma boa gestão, o património da comunidade tem crescido, existem constantes entradas e saídas de dinheiro, há contas bancárias, enfim, é preciso uma contabilidade organizada, muito diferente daquela que existia há algumas décadas. Por exemplo, presentemente, os terrenos conhecidos como “folhas”, que até há poucos anos eram explorados individualmente pelos moradores interessados, passaram a ser explorados directamente pela Associação do Povo de Aivados, que possui vários tractores e alfaias agrícolas. Os pastos desses terrenos já não são vendidos a terceiros (agricultores  vizinhos) mas sim aproveitados para o rebanho colectivo, que possui mais de 500 cabeças de ovinos. Ou seja, a Associação, como pessoa colectiva, passou a funcionar como uma empresa agrícola. E não só porque, além das vertentes agrícola e pecuária, a Associação tem a seu cargo outras tarefas, tais como, por exemplo, renovar um contrato de arrendamento com uma empresa que explora uma pedreira dentro dos terrenos comunitários.


Para António Ventura, “tão ou mais importante do que a verba envolvida no aluguer desse terreno – verba que dá um certo desafogo financeiro à comunidade – existem outras questões à margem também importantes, como a empresa criar postos de trabalho aos moradores da aldeia ou, por outro lado, respeitar as questões ambientais”. A acção dos “governantes” da aldeia também se faz sentir nos contactos com o poder local (Junta de Freguesia e Câmara Municipal), em obras de beneficiação de espaços públicos e mesmo na aquisição de prédios urbanos ou construção de algumas obras, como seja a casa mortuária.
Uma das próximas metas da Associação do Povo de Aivados é realizar obras de beneficiação num prédio comunitário e transformá-lo em sede e arquivo, “um arquivo seguro – no dizer de António Ventura – onde possa ser guardada toda a documentação relacionada com a história da aldeia, nomeadamente os manuscritos, hoje à minha guarda, na minha casa, que naturalmente não oferece condições de segurança, porque, além da humidade normal de uma casa, que estraga documentos, é sempre possível um fogo, um assalto ou outra anomalia qualquer”.
“Tudo é de todos, nada é de ninguém”


In  pt.indymedia
#Mariazinha