quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Ecologia e Pensamento Revolucionário


Uma das características da Ecologia é a de não estar perfeitamente contida no nome - cunhado por Haeckel, em 1866, para indicar a "investigação da totalidade das relações do animal tanto com seu ambiente inorgânico como orgânico". No entanto, concebida de maneira ampla, a Ecologia lida com o equilíbrio da natureza. Visto que a natureza inclui o homem, esta ciência trata da harmonização da natureza e do homem. Esta abordagem, mantida em todas as suas implicações, conduz às áreas do pensamento social anarquista. Em última análise, é impossível conseguir a harmonização do homem com a natureza sem criar uma comunidade que viva em equilíbrio permanente com o seu meio ambiente.

As questões com que a Ecologia lida são permanentes: não se pode ignorá-las sem pôr em risco a sobrevivência do homem e do próprio planeta. No entanto, hoje, a acção humana altera virtualmente todos os ciclos básicos da natureza e ameaça solapar a estabilidade ambiental em todo o mundo.

As sociedades modernas, como as dos Estados Unidos e Europa, organizam-se em torno de imensos cinturões urbanos, de uma agricultura altamente industrializada e controlando tudo, um inchado, burocratizado e anónimo aparelho de estado. Se colocarmos todas as considerações de ordem moral de lado e examinarmos a estrutura física desta sociedade, o que nos impressionará são os incríveis problemas logísticos que ela deve resolver: transporte, densidade, suprimentos, organização política e económica e outros.
O peso que tal tipo de sociedade urbanizada e centralizada acarreta sobre qualquer área oriental é enorme.

A noção de que o homem deve dominar a natureza vem directamente da dominação do homem pelo homem. Esta tendência, antiga de séculos, encontra seu mais exacerbado desenvolvimento no capitalismo moderno. Assim como os homens, todos os aspectos da natureza são convertidos em bens, um recurso para ser manufacturado e negociado desenfreadamente.

Do ponto de vista de Ecologia, o homem está hiper simplificando perigosamente o seu ambiente. O processo de simplificação do ambiente, levando ao aumento do seu carácter elementar - sintético sobre o natural, inorgânico sobre o orgânico - tem tanto uma dimensão física quanto cultural. A necessidade de manipular imensas populações urbanas, densamente concentradas, leva a um declínio nos padrões cívicos e sociais. Uma concepção massificadora das relações humanas tende a impôr-se sobre os conceitos mais individualizados do passado.

A mesma simplificação ocorre na agricultura moderna. O cultivo deve permitir um alto grau de mecanização - não para reduzir o trabalho estafante mas para aumentar a produtividade e maximizar os investimentos. O crescimento das plantas é controlado como em uma fábrica: preparo do solo, plantio e colheitas manipulados em escala maciça, muitas vezes inadequados à ecologia local.

Grandes áreas são cultivadas com uma única espécie - uma forma de agricultura que facilita não só a mecanização mas também a infestação das pragas. Por fim, os agentes químicos são usados para eliminar as pragas e doenças das plantas, maximizando a exploração do solo.

Este processo de simplificação continua na divisão regional do trabalho. Os complexos ecossistemas regionais de um continente são submersos pela organização de nações inteiras em entidades economicamente especializadas (fornecedoras de matéria-prima, zonas industriais, centros de comércio).

O homem está desfazendo o trabalho orgânico da evolução. Substituindo as relações ecológicas complexas, das quais todas as formas avançadas de vida dependem, por relações mais elementares, o homem está restaurando a biosfera a um estágio que só é capaz de manter formas simples de vida, e incapaz de manter o próprio homem.

Até recentemente, as tentativas de resolver contradições criadas pela urbanização, centralização, crescimento burocrático e estatização eram vistas como contrárias ao progresso e até reaccionárias. O anarquista era olhado como um visionário cheio de nostalgia de uma aldeia camponesa ou de uma comuna medieval. O desenvolvimento histórico, no entanto, tornou virtualmente sem sentido todas as objecções ao pensamento anarquista nos dias de hoje.

Os conceitos anarquistas de uma comunidade equilibrada, de uma democracia directa e interpessoal, de uma tecnologia humanística e de uma sociedade descentralizada não são apenas desejáveis, eles constituem agora as pré-condições para a sobrevivência humana. O processo de desenvolvimento social tirou-os de uma dimensão ético-subjectiva para uma dimensão objectiva.

A essência da mensagem reconstrutiva da Ecologia pode ser resumida na palavra "diversidade". Na visão ecológica, o equilíbrio e a harmonia na natureza, na sociedade e, por inferência, no comportamento, é alcançado não pela padronização mecânica, mas pelo seu oposto, a diferenciação orgânica.

Vamos considerar o princípio ecológico da diversidade no que se ele aplica à biologia e à agricultura. Alguns estudos demonstram claramente que a estabilidade é urna função da variedade e da diversidade: se o ambiente é simplificado e a variabilidade de espécies animais e vegetais diminui, as flutuações nas populações tornam-se marcantes, tendem a se descontrolar e a alcançar as proporções de uma peste.

O ambiente de um ecossistema é variado, complexo e dinâmico. As condições especiais que permitem grandes populações de uma única espécie são eventos raros. Conseguir, portanto, gerir adequadamente os ecossistemas deve ser o nosso objectivo.

Manipular com tacto o ecossistema pressupõe uma enorme descentralização da agricultura. Onde for possível, a agricultura industrial deve ceder lugar à agricultura doméstica. Sem abandonar os ganhos da agricultura em larga escala e da mecanização, deve-se, contudo, cultivar a terra como se fosse um jardim.

A descentralização é importante tanto para o desenvolvimento da agricultura quanto do agricultor. O motivo ecológico pressupõe a familiaridade do agricultor com o terreno que cultiva. Ele deve desenvolver sua sensibilidade para as possibilidades e necessidades do terreno, ao mesmo tempo que se torna parte orgânica do meio agrícola. Dificilmente poderemos alcançar este alto grau de sensibilidade e integração do agricultor sem reduzir a agricultura ao nível do indivíduo, das grandes fazendas industriais para as unidades de tamanho médio.

O mesmo raciocínio se aplica ao desenvolvimento racional dos recursos energéticos. A Revolução Industrial aumentou a quantidade de energia utilizada pelo homem, primeiro por um sistema único de energia (carvão) e mais tarde por um duplo (carvão-petróleo, ambos poluentes). No entanto, podemos aplicar os princípios ecológicos na solução do problema. Pode-se tentar restabelecer os antigos modelos regionais de uso integrado de energia baseado nos recursos locais usando um sofisticado sistema que combine a energia fornecida pelo vento, a água e o sol.

Essas alternativas em separado não podem solucionar os problemas ecológicos criados pelos combustíveis convencionais. Unidos, contudo, num padrão orgânico de energia desenvolvido a partir das potencialidades da região, elas podem satisfazer as necessidades de uma sociedade descentralizada.

Manter uma grande cidade requer imensas quantidades de carvão e petróleo. No entanto, as fontes alternativas fornecem apenas pequenas quantidades de energia para usá-las de modo efectivo, a metrópole deve ser descentralizada e dispersa. Um novo tipo de comunidade, adaptada às características e recursos da região e com todas as amenidades da civilização industrial, deve substituir os extensos cinturões urbanos actuais.

Resumindo a mensagem critica da Ecologia: a diminuição da variedade no mundo natural retira a base de sua unidade e totalidade, destruindo as forças responsáveis pelo equilíbrio e introduz uma retrogressão absoluta no desenvolvimento do mundo natural, a qual pode resultar num ambiente inadequado a formas avançadas de vida.

Resumindo a mensagem reconstrutiva: se desejamos avançar na unidade e estabilidade do mundo natural, devemos conservar e promover a variedade.

Como aplicar estes conceitos à teoria social? Tendo-se em mente o princípio da totalidade e do equilíbrio como produto da diversidade, a primeira coisa que chama a atenção é que tanto ecólogo como anarquista colocam uma ênfase muito grande sobre a espontaneidade. O ecólogo tende a rejeitar a noção de "poder sobre a natureza". O anarquista, por sua vez, fala em termos de espontaneidade social, dando liberdade à criatividade da pessoas. Ambos, ao seu modo, vêm a autoridade como inibidora, como um limitante à criatividade potencial dos meios social e natural.

Tanto o ecólogo como o anarquista vêem a diferenciação como uma medida de progresso, para ambos uma unidade sempre maior é alcançada pelo crescimento da diferenciação. Uma crescente totalidade é criada pela diversificação e aprimoramento das partes.

Assim corno o ecólogo busca ampliar um ecossistema e promover a livre interacção entre as espécies, o anarquista busca ampliar as experiências sociais e remover as restrições ao seu desenvolvimento. O anarquismo é uma sociedade harmónica que expõe o homem aos estímulos tanto da vida agrária como urbana, da actividade física e da mental, da sensualidade não reprimida e da espiritualidade auto-dirigida, da espontaneidade e da auto-disciplina etc.

Hoje, esses objectivos são vistos como excluíndo-se mutuamente devido à própria lógica da sociedade actual -- a separação da cidade e do campo, a especialização do trabalho, a atomização do homem.

Uma comunidade anarquista deverá aproximar-se de um ecossistema bem definido: será diversificada, equilibrada e harmónica. A procura da auto suficiência levará a um uso mais inteligente e amoroso do meio-ambiente, permitindo o contacto dos indivíduos com uma vasta gama de estímulos agrícolas e industriais. O engenheiro não estará separado do solo, nem o pensador do arado ou o fazendeiro da indústria.

A alternância de responsabilidades cívicas e profissionais criará uma nova matriz para o desenvolvimento individual e comunitário, evitando a hiper especialização profissional e vocacional que impediria a sociedade de alcançar seu objectivo vital: a humanização da natureza pelo técnico e a naturalização da sociedade pelo biólogo.

Nas comunidades ecológicas a vida social levará ao incremento da diversidade humana e natural, unidas em harmónica totalidade. Haverá uma colorida diferenciação dos grupos humanos e ecossistemas, cada um desenvolvendo suas potencialidades únicas e expondo os membros das comunidades a um leque de estímulos económicos, culturais e comportamentais.

A mentalidade que hoje organiza as diferenças entre o homem e outras formas de vida em esquemas hierárquicos e definições de "superioridade" e "inferioridade", dará lugar a uma visão ecológica da diversidade. As diferenças entre as pessoas não só serão respeitadas mas estimuladas.

As relações tradicionais que opõem sujeito e objecto serão alteradas qualitativamente, o "outro" será concebido como parte individual do todo que se aprimora pela complexidade. Este sentido de unidade reflectirá a harmonização dos interesses entre indivíduos e grupo, comunidade e ambiente, humanidade e natureza.

Murray Bookchin

Condensado e adaptado de "Ecology and Revolutionary Thought".
In, "Post-Scarcity Anarchism"
Revista Utopia #1