A violência policial contra corpos racializados não é um acidente, não é um “desvio de conduta”, tampouco é só uma questão de “falta de treinamento”. Vamos deixar bem claro: trata-se de uma lógica assassina que opera em função de um sistema insaciável e racista, que se alimenta do sangue dos pobres e dos negros pra se manter intacto. Só nesta semana a polícia matou pessoas negras em Portugal, Brasil e Itália.
No Brasil, a polícia invade favelas como um exército, executando jovens negros com uma violência cínica, impune, que grita aos quatro ventos: suas vidas não importam. Em Portugal, o racismo estrutural se revela em cada batida, em cada abordagem violenta contra imigrantes africanos, mostrando que a herança colonial está viva, operando nas sombras, mascarada como “cuidado com a ordem pública”.
E na Itália, vemos a mesma lógica hedionda: migrantes do Norte da África são tratados como pestes a serem controladas, eliminadas, tudo em nome de uma “segurança nacional” que é nada menos que a máscara xenófoba do terror de Estado.
Não é um problema de “alguns maus policiais” – essa é a desculpa do opressor pra fugir da verdade. A questão aqui é estrutural. A polícia é treinada pra defender o capitalismo. E o capitalismo define quem vive e quem morre. Aqueles que não se encaixam nos moldes brancos, ricos, "nacionais" e conformados são alvos a serem neutralizados. Por isso, essa repressão se espalha e se replica globalmente.
Cada batida policial nas periferias brasileiras, cada ataque racista em Portugal e cada brutalidade em território europeu contra migrantes são atos de uma violência internacional e planejada que serve ao mesmo objetivo: manter os oprimidos sob o jugo do medo, da vigilância e da morte.
O que estamos vendo é um padrão que transcende fronteiras e idiomas, uma lógica de controle estatal que, por trás de cada disparo, abuso e batida policial, esconde a premissa de que certos grupos – racializados, empobrecidos, estrangeiros – são descartáveis. Eles representam o "outro" ameaçador, que deve ser vigiado, contido e, se necessário, eliminado.
O capitalismo global constrói esse "outro" como uma ameaça pra justificar a militarização das polícias, o endurecimento das políticas de segurança e, sobretudo, o uso do medo pra manter o controle. Essa violência brutal e sistemática contra pessoas racializadas não é, e nunca foi, meramente um "problema de conduta individual".
Não se trata de "maçãs podres" dentro das forças policiais. Esses são eufemismos deliberados, desenhados pra desviar a atenção das raízes do problema e nos fazer esquecer que a repressão é, de fato, uma função essencial da polícia num sistema capitalista.
Também a desavergonhada invasão de velórios por policiais, nesta mesma semana, tanto no Brasil e quanto em Portugal – dos mesmos agentes que derramaram o sangue das vítimas negras que agora os familiares tentam honrar – ultrapassa qualquer limite de violência imaginável. Não se contentam em tirar a vida, mas em macular a morte e tentar apagar a memória.
No Brasil, onde a polícia já age como um exército opressor nas periferias, com "licença implícita" pra matar jovens negros e pobres, a invasão de velórios expõe o desprezo mais profundo pela dignidade humana. Não basta pro aparato do Estado esmagar esses corpos. Ele precisa também invadir o espaço do último adeus, transformando o luto numa cena de novo terror, assombrando as famílias que já foram mutiladas por suas ações.
Da mesma forma, em Portugal, vemos o mesmo "modus operandi": a polícia, a mesma que assassinou Odair, entra no velório, o espaço de luto, pra atormentar ainda mais os enlutados, como se dissesse "nem na morte vocês terão sossego".
Essas invasões são mensagens sádicas, enviadas pelo Estado a todos que ousam existir à margem do privilégio racial e econômico: "Seus corpos não nos importam, suas vidas não nos importam, e sua dor, muito menos".
Trata-se de um show de força, uma afirmação cruel de poder sobre comunidades negras e racializadas, que sublinha a realidade de que, pro capitalismo racial e seu braço armado, essas vidas são consideradas descartáveis, substituíveis, sujeitas ao desprezo contínuo até mesmo na morte.
Amanhã, manifestações estão convocadas na Itália e em Portugal, não só pra honrar a memória dos que foram assassinados, mas pra lembrar ao Estado e ao mundo que essas vidas são inapagáveis.