Um das bases fundadoras da democracia é a liberdade, e foi em nome da
liberdade que eu fui convidada para fazer esta crónica na antena 1, há 2
anos.
Fui informada de que hoje é a última vez que vos falo. Tenho
diante de mim 2 grandes profissionais da rádio, o Ricardo Alexandre e o
António Macedo, com quem tive a honra de partilhar o inicio das manhãs
de 3ª feira e com quem aprendi muito, como aprendi com outros que não
estão aqui, como a Alice Vilaça e o José Guerreiro, que fazem um
excelente serviço público.
A minha crónica era um espaço para mostrar o
que de novo de passa em Portugal e no mundo. Para a fazer todas as
semanas tive que estudar economia, sociologia, ecologia, política,
história, a história do nosso país e a história das pessoas no mundo,
como é que nós evoluímos, como é que nós saímos das cavernas e
conseguimos hoje construir a paz, sistemas democráticos, como a longa
luta pela justiça social e por uma vida digna foi decorrendo ao longo do
tempo. Estudei como as pessoas que vivem aqui construíram este país, e
como as que querem continuar a viver aqui e não querem ser obrigadas a
emigrar podem lutar para defenderem os seus direitos e a democracia.
Ao longo dos 2 anos de fazer as crónicas, o número pessoas me escreviam
no fim de cada emissão, na net, por mail, por carta, por mensagem,
aumentou semana a semana. Para além do trabalho de investigação que
fazia para cada crónica, comecei a dar voz ao que sentia e ao que as
pessoas, cada vez mais pessoas, me escreviam. As pessoas que me
escreviam são as pessoas que vivem em Portugal, que estão a sofrer o
ataque mais violento aos seus/nossos direitos fundamentais desde o 25 de
Abril de 1974. Direitos que estão na nossa Constituição e que são a
base fundadora da nossa democracia. A nossa democracia está a ser
atacada, e denunciar estes ataques e quem está a atacar os nossos
direitos, a nós cidadãos, pessoas, e encontrar e propôr soluções
concretas para sairmos desta crise foi sendo imperioso para mim. Porque
cada vez mais as pessoas me escreviam no fim das crónicas, desesperadas,
atiradas para a precariedade e para a pobreza, sem saberem como se
defender. Fui a porta-voz de muitas pessoas que não têm voz, que
encontro no metro, na rua, na mercearia, na escola. Isto é uma
radio pública. Paga com o nosso dinheiro, do nosso trabalho, do esforço
que as gerações antes de nós fizeram, do esforço que todos fazemos para
podemos viver em liberdade. Para que serve uma radio pública ? Para que serve o serviço público?
Para dar voz às pessoas, para ser a expressão do que pensa um país, na
sua diversidade e complexidade, nas suas diferentes opiniões ? ou para
ser a voz do dono ? o serviço público tem como missão informar, e como
tal tem que informar os ataques à nossa democracia.
Tive a honra de
partilhar este tempo com o Pedro Rosa Mendes, o António Granado, o
Gonçalo Cadilhe, a Rita Matos, um tempo de diversidade, como deve ser o
serviço público. Numa democracia o serviço público serve para ser a
voz das pessoas. Numa ditadura serve para ser a voz do dono, ou seja do
governo. Na nossa situação actual, temos um governo que nos manda a nós
portugueses emigrar, e ataca os nossos direitos fundamentais. Por isso a
rádio pública ser a voz do governo, não é sequer ser a voz daqueles
senhores que alguns de nós elegeram, porque este governo é a voz da
chaceler alemã, é a voz dos banqueiros alemães.
Os governos deixaram
de nos representar, obedecem ao governo alemão que obedece aos
banqueiros. E este sistema não funciona, estas medidas de austeridade
não podem funcionar, porque são uma desculpa para irem destruindo aos
poucos a democracia. E sem democracia entramos nas ditaduras disfarçadas
onde temos mais pobreza, mais injustiça social, mais corrupção. Este
sistema não serve as pessoas, serve os banqueiros. Por isso temos que
criar novas formas de nos organizarmos e vivermos em sociedade.
Em
muitos sítios do mundo há já projectos para tentar refundar a
democracia, da Islândia, aos EUA, ao Brasil. Que têm a mesma ideia de
base: os cidadãos não podem confiar mais na democracia representativa,
porque ela já deixou de ser democracia, deixou de representar as
pessoas. As pessoas, nós, temos que nos informar e juntar com amigos,
colegas, vizinhos, no trabalho, na escola dos filhxs, no bairro, na
associação, na junta de freguesia, na colectividade, vamos ter que nos
juntar e auto-organizarmo-nos. Vamos ter que ser nós, pessoas, a estar à
altura da gravíssima situação que vivemos, porque quem nos governa não
está.
Como povo, passámos tempos piores do que este e soubemos
levantar-nos do chão. Apesar daqueles que nos deviam liderar nos dizerem
que nada valemos, somos melhores do que eles pensam. Somos melhores do
que nós próprios pensamos. Nós não estamos condenados a esta humilhação.
Sim, sairemos da nossa zona de conforto. Não para emigrar, mas
para, como, cantava o Sérgio Godinho, fazer outra terra no mesmo lugar.
Não será seguramente com esta gente. Será com gente que nos represente.
Nós saberemos encontrá-la. Não desanimamos nem desistimos. Porque não há
luta sem esperança, nem esperança sem luta.
Por isso 2012 é o ano
dos desafios, de apresentar e operacionalizar as alternativas. De
ganharmos coragem e responsabilidade. É o ano de perdermos o medo. É a minha última crónica, não vos digo adeus, digo-vos até já, vemo-nos nas ruas. Raquel Freire, Lisboa, 24 1 2012.