A abordagem da sociedade e da natureza que é feita pela ecologia social pode parecer mais exigente intelectualmente, mas assim evita o simplismo do dualismo e a rudeza do reducionismo. A ecologia social tenta mostrar de que modo a natureza lentamente se introduz na sociedade, sem ignorar as diferenças entre uma e outra, por um lado, nem a extensão pela qual se fundem, por outro. A socialização diária dos jovens pela família não radica menos na biologia do que os cuidados diários aos velhos pela instituição médica radicam nos duros factos sociais. Do mesmo modo, nunca deixamos de ser mamíferos que ainda mantêm os mesmos impulsos primários naturais, mas institucionalizamos esses impulsos e a sua satisfação numa ampla variedade de formas sociais. Assim, o social e o natural continuamente se interpenetram nas actividades mais comuns do dia a dia, sem perda da sua identidade, num processo partilhado de interacção e interactividade.
A ecologia social levanta questões importantes quanto aos diferentes modos como a natureza e o social têm interagido ao longo dos tempos e que problemas essa interacção tem originado. Como é que emergiu uma relação entre a humanidade e a natureza de tipo dualista, separada, mesmo até conflitual? Quais foram as formas institucionais e as ideologias que o tornaram possível? Considerando o crescimento das necessidades humanas e da tecnologia, era tal conflito inevitável? E poderá ele ser ultrapassado no futuro, numa sociedade ecologicamente empenhada?
De que modo é que uma sociedade racional e ecologicamente orientada se adequa ao processo da evolução natural? Indo ainda mais longe: existe alguma razão para crer que a mente humana, ela própria um produto da evolução, assim como a cultura, representa um cume decisivo de desenvolvimento natural — nomeadamente no longo desenvolvimento das formas de vida simples até à notável intelectualidade e autoconsciência das mais complexas?
Ao colocar estas questões altamente provocatórias não pretendo justificar nenhuma pomposa arrogância em relação à vida não-humana. Claramente, devemos trazer a particularidade da humanidade como espécie, caracterizada por atributos sociais, imaginativos e construtivos preciosos, à sincronicidade com a fecundidade, diversidade e criatividade da natureza. Defendo que esta sincronicidade não deve ser conseguida à custa da oposição entre natureza e cultura, vida humana e não-humana, fecundidade natural e tecnologia ou uma subjectividade natural oposta à mente humana. De fato, um importante resultado que emerge da discussão do inter-relacionamento da natureza com a sociedade é o fato do pensamento humano ter também uma base natural. O nosso cérebro e o nosso sistema nervoso não surgiram repentinamente, têm uma longa história natural. Aquilo que mais prezamos como integral para a nossa humanidade — a nossa extraordinária capacidade de pensar em níveis conceptuais complexos — pode ser pesquisado desde a rede nervosa dos invertebrados primitivos, os gânglios dos moluscos, a medula dos peixes, o cérebro dos anfíbios, até ao córtex dos primatas.
Mesmo aqui, no mais íntimo dos nossos atributos humanos, não somos menos produto da evolução natural do que da evolução social. Enquanto seres humanos incorporamos eras de diferenciação e elaboração orgânicas. Como as outras formas de vida complexas, não somos apenas parte da evolução natural, somos igualmente seus herdeiros e produto da fecundidade natural.
Ao tentar mostrar como a sociedade lentamente vai crescendo a partir da natureza, no entanto, a ecologia social também se vê obrigada a mostrar como a sociedade também sofre diferenciação e elaboração internas. Ao fazê-lo, a ecologia social deve examinar aquelas costuras na evolução social em que as rupturas ocorrem, empurrando lentamente a sociedade para uma oposição ao mundo natural, e explicar a emergência desta oposição desde as suas origens pré-históricas até aos nossos dias. De fato, se a espécie humana é uma forma de vida que pode conscientemente enriquecer o mundo natural, em vez de apenas lhe causar prejuízo, é importante para a ecologia social revelar os factores que tornaram muitos seres humanos parasitas de um mundo vivo, e não parceiros activos da evolução orgânica. Este projecto deve ser assumido não de um modo ocasional mas como uma séria tentativa de dar coerência à evolução natural e social, e como relevante para os nossos tempos e para a construção de uma sociedade ecológica.
Murray Bookchin
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