sábado, 13 de novembro de 2010

Introducção à Ecologia Social II


Quais são as causas de nossos problemas ecológicos?
Atribuir a culpa de nossos problemas ecológicos à tecnologia, à mentalidade tecnológica ou à explosão demográfica é incoerência. 


A tecnologia – a má tecnologia, como os reactores nucleares, amplifica problemas existentes; porem, só por si, não os produz. 

O aumento da população é relativo, se é que seja um problema. Os demográficos (os que estudam estatisticamente as populações nos seus aspectos de natalidade, migrações, mortalidade, etc.) há muito tempo já sabem que o que faz as estatísticas crescerem são a pobreza material e a ruína cultural, e não as melhores condições de vida. Na verdade não sabem quantas pessoas poderiam viver decentemente no planeta sem provocar transtornos ecológicos. 


Os Estados Unidos, na última metade do século XIX, exterminaram milhares de bisontes, vastas áreas de florestas primitivas, e todo esse prejuízo aconteceu com a população inferior a cem milhões de habitantes, e com uma tecnologia muito atrasada para os níveis actuais.

Na realidade, não era a tecnologia e a pressão demográfica que operavam quando aconteceu esse grande drama de exploração. A praga que afligia o continente americano era mais devastadora que uma invasão de gafanhotos. Era uma ordem social que se deveria citar em cerimoniais: capitalismo, em sua versão privada no Ocidente, e em sua forma burocrática no Leste. 


Eufemismos como sociedade tecnológica, ou sociedade industrial, termos tão confundidos na literatura ecológica contemporânea, tendem a mascarar, com expressões metafóricas, a brutal realidade de uma sociedade predatória. Com isso distraímos a nossa atenção de uma economia estruturada sobre a competição.

Tecnologia e indústria são representados como os protagonistas perversos desse drama, no lugar do mercado e da ilimitada acumulação de capital, apoiando um sistema de crescimento (acumulação), que por fim devorará toda a biosfera.

Dos problemas da Hierarquia e da Dominação, aos enormes problemas sistémicos criados pôr essa ordem social devemos agregar os enormes problemas sistémicos criados pela mentalidade que começou a se desenvolver muito antes do nascimento do capitalismo e que foi completamente absorvida pôr ele. 


Refiro-me a mentalidade estruturada em termos da hierarquia e domínio, na qual a dominação do homem pelo homem deu origem a concepção de que dominar a natureza fosse o destino e inclusive a necessidade da humanidade. O facto de que o pensamento ecológico começou a difundir a ideia de que esta concepção é perniciosa, certamente é reconfortante. 


Por outro lado, ainda não se compreendeu claramente como surgiu essa concepção, porque existe e como pode ser eliminada. Devemos explorar as origens da hierarquia social e da opressão, se quisermos encontrar uma solução para a destruição da ecologia. 


É facto que a hierarquia em todas as formas – domínio do ancião sobre o jovem, do homem sobre a mulher, do homem em forma de subordinação de classe, de casta, etnia ou de quaisquer outras possíveis estratificações de status social – não foi identificada como um âmbito de domínio muito mais amplo do que o domínio de classe.

Esta tem sido uma das falhas cruciais do pensamento radical. Nenhuma libertação será completa, nenhuma intenção de criar uma harmonia entre os seres humanos e entre a humanidade e a natureza poderá jamais ter êxito enquanto não sejam erradicadas todas as hierarquias, e não só das classes, todas as formas de domínio, e não somente da exploração económica.


A Concepção de Ecologia Social
Estas ideias constituem o núcleo essencial de minha concepção de ecologia social contidas no livro “Ecology of Freedom”. Tenho afirmado com muito cuidado o uso que faço do termo social, quando trato de questões ecológicas, para introduzir outro conceito fundamental: nenhum dos principais problemas ecológicos que enfrentamos hoje podem ser resolvidos sem uma profunda mudança social. 


Esta é uma ideia cujas implicações não foram plenamente assimiladas pelo movimento ecológico. Levada a conclusão lógica, significa que não se pode pensar em transformar a sociedade presente de forma gradual, com pequenas mudanças. Estas são acções que podem apenas reduzir a louca velocidade com a qual a biosfera é destruída. 


Certamente, devemos ganhar o maior tempo que pudermos para evitar a destruição, entretanto o homicídio da biosfera prosseguira a não ser que possamos convencer as pessoas de que é necessária uma mudança radical e que nos organizemos para tal fim. 



Deve-se aceitar que a actual sociedade capitalista precisa ser substituída pôr aquela que chamamos de sociedade ecológica, isto é, uma sociedade que implique nas radicais mudanças sociais indispensáveis para eliminar os abusos ecológicos.



A Sociedade Ecológica
Devemos reflectir e debater profundamente sobre a natureza dessa sociedade ecológica. Ela não devera ter hierarquia, nem classes, nem o conceito de domínio sobre a natureza. Pôr isso não podemos de deixar de revalorizar os fundamentos do eco-anarquismo de Kropotkin e os grandes ideais iluministas (razão, liberdade, força emancipadora dos ensinamentos) levados a frente pôr Malatesta e Berniere. 



Os ideais humanistas que direccionaram os pensadores anarquistas de um certo tempo devem ser recuperados em sua totalidade, e transformados na forma de um humanismo ecológico que encarne uma nova racionalidade, uma nova ciência, uma nova tecnologia.

Os motivos que me levaram a acentuar os ideais iluministas libertários não foram os meus gostos e minhas predilecções ideológicas. Tratam-se, na realidade, de ideais que não podem deixar de ser levados em conta pôr qualquer pessoa comprometida ecologicamente. Em todo mundo aparecem inquietantes alternativas aos movimentos ecológicos. 



Pôr outro lado, está-se a difundir, na América do Norte assim como na Europa, uma espécie de enfermidade espiritual, uma atitude contra iluminista. Com o nome de retorno a natureza, evocam-se atávicos irracionalismos, misticismos, religiosidades declaradamente pagas. Culto das divindades femininas, tradições paleolíticas, rituais ecológicos vão se formando em nome de uma nova espiritualidade.

Esse retorno do primitivismo não é um fenómeno inócuo. 


Frequentemente está embebido de um pérfido neo-malthusianismo, que substancialmente propõe deixar morrer de fome de preferência as vítimas do Terceiro Mundo, com a finalidade de diminuir a população. A Natureza, afirmam, deve estar livre para continuar o seu curso.

A fome não é causada pelos problemas agrários, nem pelo saque das grandes empresas, nem pelas rivalidades imperialistas, nem pelas guerras civis nacionalistas, e sim pela superpopulação. 


Deste modo os problemas ecológicos são esvaziados de seu conteúdo social e reduzidos a mística interacção das forças naturais, frequentemente com acentos racistas que cheiram a fascismo. 


Por outro lado, está em vias de construção um mito tecnocrático, segundo o qual a ciência e a engenharia resolveriam todos os males ecológicos. 


Como nas utopias de H.G. Welles, afirma-se que é necessária uma nova elite para planificar a solução da crise ecológica. Fala-se de exigência de maior centralização do estado que desaguaria na criação de um Mega-Estado, em paralelo com as multinacionais. 


E como a mitologia se tornou popular entre eco-místicos, entre os sustentadores de um primitivismo em versão ecológica, do mesmo modo e teoria sistémica se tornou muito popular entre ecotecnocratas, entre partidários do futurismo, em versão ecológica.


Em ambos os casos, os ideais libertários do iluminismo – sua valorização da liberdade, do conhecimento, da autonomia individual – são negados pela sistemática pretensão de nos empurrarem para um passado obscuro, mistificado e sinistro, ou de catapultar-nos como mísseis num futuro radiante, porém igualmente mistificante e sinistro.



Marcos Antonio Scholottag
Engenheiro Ambiental
marcos@tubolaronline.com.br