A Ecologia que Defendo
A ecologia social, como a pretendo, lança mensagem que não é primitiva nem tecnocrática. Tenta definir o posto da humanidade na natureza – posto singular e extraordinário – sem cair no mundo tecnológico da caverna, por um lado, e sem voar para fora do planeta com astronaves e estações orbitais de ficção científica, por outro. Sustento que a humanidade é parte da natureza ainda que dela difira profundamente pela capacidade que tem de pensar conceitualmente e se comunicar simbolicamente.
A natureza, por outro lado, não é simplesmente uma cena panorâmica para ser vista passivamente através da janela. É o conjunto da evolução, a evolução em sua totalidade, precisamente como o indivíduo é sua biografia por completo, não uma simples soma de dados numéricos que indicam seu peso, altura, inteligência e assim sucessivamente.
Os seres humanos não são apenas uma de tantas formas de vida, uma forma meramente especializada para ocupar um dos tantos nichos ecológicos do mundo natural. São seres que, pelo menos potencialmente, poderiam fazer a evolução biótica auto-consciente e conscientemente dirigida.
Com isso não quero afirmar que a humanidade não chegue a ter nunca um conhecimento suficiente da complexidade do mundo natural para poder tomar o timão da evolução natural e dirigi-la segundo sua vontade. Pelo contrário, minhas reflexões sobre a espontaneidade apontam para sugerir prudência nas intervenções sobre o mundo natural e sustentar que se deve modifica–lo com grande cautela.
Porem, como argumentei em “Thinking Ecologically”, o que verdadeiramente nos faz únicos, singulares no esquema ecológico das coisas, é que podemos intervir na natureza com um grau de auto-consciência e de flexibilidade desconhecidos de todas as outras espécies.
Que possamos actuar de modo criativo ou destrutivo constitui o maior problema que devemos enfrentar em toda reflexão sobre nossa interacção com a natureza. Ainda que nossa potencialidade humana de dar auto – direcção consciente seja enorme, devemos entretanto recordar que somos ainda sub-humanos.
Nossa espécie está dividida de forma antagónica: por idade, género, classe, renda, etnia, etc. Falar de humanidade em termos zoológicos como fazem tantos ecologistas, inclusive tratando as pessoas como mera espécie e não como seres sociais que vivem em complexas criações institucionais, e não em primitiva região selvagem, é ingenuamente absurda. Uma humanidade iluminada, junta para se aperceber de suas plenas potencialidades, em uma sociedade ecológica harmoniosa, e somente uma esperança, um dever ser e não um ser.
Como será possível conseguir as transformações que proponho?
Não acredito que elas possam acontecer através do aparato estatal, isto é, um sistema parlamentar. Minha experiência com o movimento parlamentar alemão me clarificou que o parlamentarismo é moralmente daninho e corrupto. A representação dos verdes no Bundenstag confirmou, nesses últimos tempos, meus piores temores: sua maioria realista e favorável a participação da Alemanha na NATO e sustenta uma forma eco-capitalista incompatível com qualquer aproximação radical da ecologia.
Outro dado importante: o parlamentarismo invariavelmente mina a participação popular na política, no sentido que foi atribuído a esta palavra durante séculos. Para os antigos atenienses, a palavra política significava gestão da polis (cidade) por parte dos cidadãos em assembleias, mulheres, estrangeiros e escravos estavam excluídos. Também é verdade que eram os cidadãos ricos os que dispunham de recursos materiais e gozavam dos privilégios negados aos cidadãos pobres.
A ecologia radical não pode ser indiferente à realidade material da vida humana, não pode ser indiferente às relações sociais, nem as económicas. O delicado equilíbrio existente entre o uso da tecnologia com finalidade de libertação e seus usos com fins destrutivos para o planeta é matéria de juízo social, porém um juízo que vem incessantemente ofuscado quando ecologistas “sui géneris” denunciam a tecnologia como um mal irrecuperável ou a exaltam como uma virtude indiscutível.
Os místicos e tecnocratas têm uma importante característica em comum: não se detêm para examinar a fundo a questão ecológica, nem projectam a lógica para além das mais elementares e simples premissas.
Uma Nova Política
Uma nova política deveria, segundo minha opinião, implicar na criação de uma esfera pública de base extremamente participativa a nível da cidade, do povoado, da aldeia, do bairro. O capitalismo produziu tanta desestruturação dos laços comunitários quanto à devastação do mundo natural.
Em ambos os casos, nos encontramos frente à simplificação das relações humanas e não humanas, a sua redução às mais elementares formas interactivas e comunitárias. Entretanto, onde existirem ainda laços comunitários é justamente ai que devem ser cultivados e desenvolvidos.
Estudei este tipo de política comunal (repito: entendo política no sentido helénico, não no significado actual que designo com estatal) em meu livro “The Rise of Urbanization and Decline of Civilizenship” (Sierra Club, 1987). Por polémico que possa parecer na Europa, porem menos nos EUA, creio na possibilidade de uma confederação de municípios livres como contra poder de base que se oponha a crescente centralização por parte do Estado-nação.
Neste terreno, uma política ecológica é possível e coerente com uma ecologia concebida como o estudo das comunidades humanas/não humanas. “A ecologia não é nada se não se ocupa da interacção entre as formas de vida para construir comunidades e desenvolverem-se como comunidades.” – Murray Bookchin
Marcos Antonio Scholottag
Engenheiro Ambiental
marcos@tubolaronline.com.br