sábado, 23 de janeiro de 2010

Mikhail Bakunin e a Autoridade



«Distribuiremos os meios de produção
Entre os produtores
Associações urbanas de trabalhadores
Com a ciência ao nosso lado
Desaparecerão as hierarquias,
A mão paternal do velho Estado.
Caminharemos ombro a ombro
A devorar estrelas
A consumir a copa do conhecimento
Juntos, iguais, avançando.
Camarada Bakunin»
(Trecho da canção Camarada Bakunin da banda Aviador Dro)


"Decorre daí que rejeito toda autoridade? Longe de mim este pensamento. Quando se trata de botas, apelo para a autoridade dos sapateiros; se se trata de uma casa, de um canal ou de uma ferrovia, consulto a do arquiteto ou a do engenheiro. Por tal ciência especial, dirijo-me a este ou àquele cientista. Mas não deixo que me imponham nem o sapateiro, nem o arquiteto, nem o cientista. Eu os aceito livremente e com todo o respeito que me merecem sua inteligência, seu caráter, seu saber, reservando todavia meu direito incontestável de crítica e de controle. Não me contento em consultar uma única autoridade especialista, consulto várias; comparo suas opiniões, e escolho aquela que me parece a mais justa. Mas não reconheço nenhuma autoridade infalível, mesmo nas questões especiais; conseqüentemente, qualquer que seja o respeito que eu possa ter pela humanidade e pela sinceridade desse ou daquele indivíduo, não tenho fé absoluta em ninguém. Tal fé seria fatal à minha razão, à minha liberdade e ao próprio sucesso de minhas ações; ela me transformaria imediatamente num escravo estúpido, num instrumento da vontade e dos interesses de outrem.

Se me inclino diante da autoridade dos especialistas, e se me declaro pronto a segui-la, numa certa medida e durante todo o tempo que isso me pareça necessário, suas indicações e mesmo sua direção, é porque esta autoridade não me é imposta por ninguém, nem pelos homens, nem por Deus. De outra forma as rejeitaria com horror, e mandaria ao diabo seus conselhos, sua direção e seus serviços, certo de que eles me fariam pagar, pela perda de minha liberdade e de minha dignidade, as migalhas de verdade, envoltas em muitas mentiras que poderiam me dar.

Inclino-me diante da autoridade dos homens especiais porque ela me é imposta por minha própria razão. Tenho consciência de só poder abraçar, em todos os seus detalhes e seus desenvolvimentos positivos, uma parte muito pequena da ciência humana. A maior inteligência não bastaria para abraçar tudo. Daí resulta, tanto para a ciência quanto para a indústria, a necessidade da divisão e da associação do trabalho. Recebo e dou, tal é a vida humana. Cada um é dirigente e cada um é dirigido por sua vez. Assim, não há nenhuma autoridade fixa e constante, mas uma troca contínua de autoridade e de subordinação mútuas, passageiras e sobretudo voluntárias.

Esta mesma razão me proíbe, pois, de reconhecer uma autoridade fixa, constante e universal, porque não há homem universal, homem que seja capaz de aplicar sua inteligência, nesta riqueza de detalhes sem a qual a aplicação da ciência a vida não é absolutamente possível, a todas as ciências, a todos os ramos da atividade social. E, se uma tal universalidade pudesse ser realizada em um único homem, e se ele quisesse se aproveitar disso para nos impor sua autoridade, seria preciso expulsar esse homem da sociedade, visto que sua autoridade reduziria inevitavelmente todos os outros à escravidão e à imbecilidade. Não penso que a sociedade deva maltratar os gênios como ela o fez até o presente momento; mas também não acho que os deva adular demais, nem lhes conceder quaisquer privilégios ou direitos exclusivos; e isto por três razões; inicialmente porque aconteceria com freqüência de ela tomar um charlatão por um gênio; em seguida porque, graças a este sistema de privilégios, ela poderia transformar um verdadeiro gênio num charlatão, desmoralizá-lo, animalizá-lo; e, enfim, porque ela daria a si um senhor."


Deus e o Estado – 1882

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